A hiperinflação é irmã gêmea do déficit público

E quando as contas públicas não fecham, quem acaba pagando a conta mais alta é a população mais pobre

Acho engraçado quando vejo, na mídia brasileira, sucessivas reportagens sobre a “hiperinflação” na Argentina. Primeiro: uma inflação na casa dos 200% ao ano, não é hiper, embora seja uma inflação alta; segundo: isso é “fichinha”, perto dos mais de 2.000% ao ano, que só quem viveu no Brasil dos anos 1980/90, pôde testemunhar.


De comum entre as economias de ambos os países, o fato de que, tanto a hiperinflação (esta, sim!) do Brasil, no início dos anos 1990, como o atual processo inflacionário na Argentina, a origem é a mesma: o descontrole das contas públicas.


No Brasil do governo Sarney (1985-1990), criou-se na sociedade, por obra e graça (ou mera desinformação) dos meios se comunicação, na época, a convicção de que os preços subiam por culpa dos empresários, em particular do setor supermercadista. Tornou-se icônica (seria ridícula, hoje), inclusive, a imagem de um exaltado cidadão fechando um supermercado, “em nome do povo” – os tais “fiscais do Sarney”, durante o Plano Cruzado I (1986).


Ledo engano: a inflação era oriunda do próprio governo, que emitia moeda sem parar, para cobrir o seu imenso – e descontrolado – déficit público. Vale lembrar que, para cobrir seus gastos, todo e qualquer governo tem três alternativas possíveis, além de cortar despesas: emitir moeda, contrair empréstimos, ou aumentar/criar impostos. Na época, os governos brasileiros lançavam mão de todas estas práticas, ao mesmo tempo. Resultado: inflação nas alturas, com a absurda (e injusta) atribuição ao setor empresarial pelo fenômeno.


O que acontece hoje, na Argentina, é um enorme esforço do atual governo em romper com décadas de descontrole fiscal, por parte de sucessivos governos populistas – o peronismo, ou seus congêneros platinos.


Benefícios sociais “à rodo”, ensino público superior gratuito, subsídios nos combustíveis, energia, alimentos, etc., etc. – tudo isso é muito bom. Só que, como dinheiro não dá em árvore, alguém sempre tem de pagar a conta.


E quando as contas públicas não fecham, quem acaba pagando a conta mais alta é a população mais pobre – e mais vulnerável aos efeitos de um processo inflacionário sem controle.


Há trinta anos, estamos livres da hiperinflação, após o advento do Plano Real. Mas a sociedade deve ficar alerta: os governos de esquerda, aqui ou acolá – como ficou evidenciado na grave crise econômica de 2014-2017 -, estão sempre flertando com o descontrole das contas públicas, ao insistir na elevação indiscriminada do gasto público.


O perigo da hiperinflação está sempre à espreita, aliada que é da irresponsabilidade de governos, que querem se manter no poder à base de benefícios sociais – igualmente indiscriminados.

Artigo de opinião por Quino Corrêa, pós-graduado em administração, jornalista, escritor e auditor fiscal aposentado

Fonte: O Progresso