Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vão participar da solenidade convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para marcar um ano dos atos de vandalismo do 8 de janeiro, em Brasília, mesmo com o clima ruim criado pelo Executivo após o veto de Lula a trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que definiram data para o pagamento de emendas impositivas e o envio de nova Medida Provisória sobre a desoneração da folha de pagamento. Isso ocorrerá devido ao fato de que tanto Lira quanto Pacheco saíram em defesa das instituições após as manifestações do 8/1, no ano passado, que terminaram com a depredação das sedes dos Três Poderes.
Além disso, a solenidade, marcada para a próxima segunda-feira, 8 de janeiro de 2024, será realizada no Salão Negro do Congresso Nacional. O entendimento de analistas ouvidos pela reportagem é de que a presença dos presidentes das duas Casas do Legislativo é um dever institucional.
Ainda assim, alguns parlamentares de partidos do Centrão dizem, nos bastidores, que o evento será marcado por um certo constrangimento diante das recentes medidas de Lula já citadas.
Já a oposição classifica o evento – que tem sido chamado pela esquerda e até por membros das siglas de centro de “ato pela democracia” – como uma tentativa de criminalização dos partidos de direita, na medida em que o Planalto tenta sempre associar as manifestações aos protestos contra o resultado das eleições de 2022.
Em entrevista recente à TV Câmara, Lira disse que “os Três Poderes precisam e devem ser preservados. O Brasil precisa disso”. Sobre as relações com os demais poderes, marcada por conflitos com o Judiciário e o Executivo, e as interferências em decisões do Congresso, o presidente da Câmara voltou a defender o papel do Congresso Nacional em legislar sobre qualquer assunto, o que “não dá abertura para que outros poderes deliberem sobre o tema”, mesmo que “o Congresso decida não legislar”.
“O Congresso Nacional, às vezes, quando decide não legislar, está legislando. Não abre espaço para que outros poderes o façam. Se você tem um Congresso eleito para aquele período temporal de 4 anos na Câmara e 8 no Senado, aqueles são os representantes da população para aquele período, aqueles receberam autorização popular para representá-los em suas decisões”, disse.
A declaração de Lira refere-se a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que extrapolaram as funções da Corte, como a rejeição do marco temporal para reconhecimento de terras indígenas. Semanas depois, em clara resposta ao STF, o Congresso restabeleceu o entendimento de que os indígenas só podem reclamar terras que estavam habitadas pelas tribos na data da promulgação da Constituição de 1988.
Segundo o professor de Ciências Políticas Waldir Pucci, da Universidade de Brasília (UnB), é fato que 2024 começa com uma certa tensão provocada pelos vetos de Lula e o envio de uma medida provisória sobre um tema que os parlamentares já deliberaram – antes do recesso, deputados e senadores derrubaram o veto de Lula ao fim da desoneração da folha de pagamento de 17 setores. Para ele, porém, isso não vai interferir no ato programado para a próxima segunda-feira (8/1), com a participação dos presidentes da Câmara e Senado, do Supremo Tribunal Federal, o presidente da República e outras autoridades.
“A gente vê sim que é um clima de mal-estar entre os dois poderes [Executivo e Legislativo], mas o mal-estar é esse que pode ser resolvido por meio da negociação política. E a gente tem que separar essa situação do dia 8 de janeiro. Então, tanto Pacheco quanto Lira devem comparecer, sim, não para demonstrar apoio ao presidente, mas sim demonstrar apoio à instituição Congresso Nacional, poder Legislativo, que também foi atacado”, avalia o analista.
Já o professor de Ciência Política Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), opina que prevalece o dever institucional de Lira e Pacheco ao participarem da solenidade da próxima segunda-feira (8).
“Não me parece que seja um elemento de alinhamento de endosso das ações do Executivo, mas por um gesto importante e simbólico do ponto de vista do que seria, na visão desses atores políticos, um ato de desagravo dos Três Poderes que foram vítimas de atos de depredação no dia 8/1, isso tende a se colocar como uma missão muito mais protocolar do que qualquer outra coisa”.
Para o deputado José Nelto (PP-GO), que é vice-líder do governo na Câmara, a participação dos presidentes das Casas no evento não pode ser contestada. Apesar de se dizer indignado com os vetos do presidente Lula a matérias aprovadas pelos deputados e senadores, e amplamente discutidas, a solenidade é para marcar uma data que não pode ser esquecida e que busca “fortalecer a democracia”. “Cada um tem uma posição, tem obrigação, não pode deixar transparecer pensamento pessoal em detrimento da democracia”, afirma Nelto.
Assim como boa parte dos parlamentares, tanto do Centrão quanto de oposição, Nelto afirma que o Congresso não pode aceitar que Lula vete o calendário estabelecido para as emendas impositivas, de pagamento obrigatório, principalmente se considerarmos que 2024 será ano de eleições municipais, com prefeituras passando por grandes dificuldades financeiras. Segundo ele, o Congresso derrubará o veto de Lula.
Para o deputado, o envio de uma MP reonerando a folha de pagamento de empresas ao Congresso significa uma quebra de confiança do governo com a Câmara e o Senado, e o mercado. Na visão de Nelto, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deveria devolver a Medida Provisória ao Planalto. Essas medidas logo no início do ano, segundo Nelto, mostram que Lula está de “picuinha” com o Congresso, e “mal assessorado”.