Considerado inconstitucional, projeto de repasse de verba a rádios comunitárias avança na ALEMS

Texto protocolado pelo deputado estadual Pedro Caravina é definido como ‘inconstitucional’ por especialistas; PL foi aprovado pela CCJR da Assembleia Legislativa

Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) – (Foto: Wagner Guimarães)

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) avalia um projeto de lei que autoriza o Governo do Estado a repassar recursos ao serviço de radiodifusão comunitária. A proposta, de autoria do deputado estadual Pedro Caravina (PSDB), já recebeu aprovação da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR). No entanto, especialistas consideram a medida inconstitucional.

O projeto estabelece que o poder Executivo poderá direcionar fundos para fundações ou associações civis de radiodifusão comunitária. A justificativa para a medida é a promoção da cultura local, a liberdade de expressão, o apoio à produção e o desenvolvimento de projetos realizados por essas entidades de radiodifusão comunitária.

Cristiano Lobato, representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), declarou ao jornal A Crítica que, no Brasil, as restrições, obrigações ou incentivos relacionados à radiodifusão são estabelecidos pela Constituição Federal, pela legislação federal ou por leis estaduais, desde que sejam previamente autorizadas por uma Lei Complementar.

“O projeto de lei em questão é, portanto, inconstitucional, pois não há lei complementar que autorize o Estado do Mato Grosso do Sul a legislar em matéria de radiodifusão. Ele também é ilegal, pois a Lei Federal nº 9.612, de 1998, e o Decreto nº 2615/98, que criam e regulamentam, respectivamente, o serviço de radiodifusão comunitária, preveem que a única forma de apoio permitida é o patrocínio, sob a forma de apoio cultural para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida. Por estabelecimentos, entende-se as pessoas jurídicas de direito privado, jamais o Poder Público”, detalhou o diretor-geral da Abert.

Ele completou que isso tem uma razão: o financiamento público contraria os objetivos e os princípios constitucionais que norteiam as rádios comunitárias, de pequena dimensão e de baixa potência, criadas por associações e fundações justamente com a missão de informar e atender determinada comunidade local. “E justamente dela é que deve vir sua fonte de custeio”, pontuou.

Antônio Alves, o Tunico, presidente da Associação de Emissoras de Rádio e TV de Mato Grosso do Sul (Midiacom-MS), também questiona a medida e ressalta que não deve ser aprovada. “Este dispositivo legal é claro ao proibir que rádios comunitárias sejam subordinadas a interesses políticos, religiosos ou comerciais, sob pena de desvirtuar sua finalidade essencial”, argumentou.

Ele acrescentou que o projeto de lei é flagrantemente ilegal, pois o financiamento público desvirtua as finalidades e os princípios constitucionais que orientam as rádios comunitárias. “Isso está regido pela Constituição Federal e, portanto, o projeto de lei não pode ir adiante. Tem toda uma legislação e quem pode falar sobre isso é a Constituição Federal, já existem pareceres que questionam isso. Nós, os radiodifusores, somos totalmente contra por ser algo inconstitucional que vai prejudicar todo o mercado”, garantiu.

Adalzira de Lucca, sócia e administradora da sociedade de advogados Azevedo, Barbosa & De Lucca Advogados, sediada em Brasília (DF), afirmou que o projeto de lei de Pedro Caravina é extremamente subjetivo. “Então, dentro dessa subjetividade, cabe qualquer coisa. Lendo assim, em princípio, a gente poderia dizer que o projeto não é inconstitucional porque ele não regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária. Ele institui ações de incentivo à radiodifusão comunitária”, declarou.

No entanto, a especialista destacou que, ao analisar o projeto em conjunto com a Lei 9.612, que rege a radiodifusão comunitária, e os Artigos 21 e 22 da Constituição, é possível concluir que o projeto é inconstitucional. A Constituição estabelece que compete exclusivamente à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de imagens. “Aí dentro desse serviço de radiodifusão sonora, encontra-se o serviço de radiodifusão comunitária, que é um serviço de radiodifusão sonora. E compete privativamente à União, é competência privativa da União legislar sobre radiodifusão. Então, qualquer tentativa de legislar sobre radiodifusão é considerada inconstitucional”, alertou.

O deputado estadual Lucas de Lima (PDT), que também é radialista, solicitou vistas ao projeto de lei, adiando a votação para permitir mais tempo para discutir possíveis emendas com representantes e especialistas da Midiacom-MS. “A ideia é usar esse tempo para dialogar sobre como podemos melhorar o projeto”, explicou o parlamentar.

O parlamentar esclareceu que a questão da inconstitucionalidade já foi debatida e aprovada na CCJ, o que impede novos questionamentos sobre esse aspecto no âmbito da Assembleia Legislativa. Contudo, ele sugeriu que a entidade considere uma ação judicial para contestar a constitucionalidade do projeto.

O projeto deve ser devolvido para votação na próxima semana. Durante esse período, será possível discutir e propor emendas que possam ser incorporadas ao texto, garantindo que ele esteja em conformidade com a Constituição. Representantes da entidade, especialistas jurídicos e membros da comunidade são incentivados a participar dessas discussões.

Procurado, o deputado Pedro Caravina diz que o projeto de lei busca o incentivo do estado ao serviço de radiodifusão comunitária, com objetivo de difundir a cultura local e promover a liberdade de expressão. “A proposta, em nenhum de seus dispositivos, visa regulamentar o serviço de radiodifusão, pois isso já é disciplinado pela Lei Federal 9.612/98. O projeto busca apoiar o serviço que já é desempenhado, sem se envolver em regras ou no serviço desempenhados pelas rádios comunitárias”.

Questionado sobre a constitucionalidade, Caravina diz que o projeto passou pela CCJR “sem encontrar obstáculos”. “O PL ainda foi aprovado em 1ª discussão e votação com voto favorável de todos os deputados presentes, inclusive com manifestação positiva de vários parlamentares”.

  • Fonte: A Critica