Só nas últimas 24 horas foram registadas 242 vítimas mortais na província chinesa de Hubei, epicentro do novo coronavírus. O dia mais mortífero desde o início do surto foi o mesmo em que houve uma subida vertiginosa no número de casos diagnosticados, com registo de mais 14.840 pessoas infectadas. As mudanças de metodologia na identificação dos casos explicam o rápido aumento, quando os números estavam se estabilizando.
É uma subida dramática e inédita no número de vítimas mortais e casos registados desde o início do surto na província de Hubei. As autoridades de saúde locais explicam que estes números elevados surgem devido a uma “definição mais ampla” da infecção, com mudanças nomeadamente na forma de diagnóstico.
Na quarta-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tinha mencionado que o número de infecções na China estava a estabilizar, mas que era ainda cedo demais para apurar se a epidemia estaria a abrandar.
Mas se antes o número de casos e vítimas mortais era calculado tendo em conta apenas os casos confirmados com os kits de diagnóstico, com os testes padrão de ácido ribonucleico (RNA), agora passa a ser suficiente um diagnóstico do vírus através de uma tomografia computadorizada (TAC) aos pulmões.
Estes casos “clinicamente diagnosticados”, que são confirmados apenas por tomografia computadorizada, não constavam em contabilizações anteriores.
Das 242 mortes registadas em Wuhan, 135 foram contabilizadas segundo a nova metodologia. Em relação aos novos casos, dos 18.840 que foram registados nas últimas horas, 13.332 foram diagnosticados segundo os novos critérios.
A Comissão Provincial de Saúde de Hubei explicou que as mudanças ao nível de diagnóstico vão permitir um tratamento mais rápido. Mas a nova metodologia poderá também por em causa a credibilidade dos números apresentados ao longo das últimas semanas e amplificar as críticas que estão a ser apontadas à China.
O país tem sido acusado de limitar informações e esconder a dimensão completa do surto, sobretudo após a morte de um médico oftalmologista que denunciou o início da epidemia, o que lhe valeu uma repreensão da polícia.
“Do ponto de vista da transparência médica, esta medida é positiva, mas vem levantar novas questões. Qual é que foi a taxa real de infeção desde o início de janeiro? As outras cidades e províncias também vão rever os números apresentados? (…) Suspeito que muitos na China vão olhar para isto como uma nova razão para não acreditar no governo”, diz Sam Crane, professor de política e filosofia chinesa, ao jornal The Guardian.
David Heymann, professor de Epidemiologia de Doenças Infeciosas na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, esclarece, em declarações à BBC, que a China veio alterar a própria definição de doença.
“As mortes são preocupantes e há de fato um aumento no número de mortes registadas, mas se olharmos para a totalidade do número de mortes e de casos, a taxa de mortalidade continua a ser o mesmo que tem sido”, acrescentou.
A mudança no método de diagnóstico poderá também ter origem num problema prático: nas últimas semanas, os profissionais de saúde da província no epicentro do surto do novo coronavírus têm denunciado a escassez de kits de diagnóstico através dos testes padrão.
Esta carência material tem impedido o acesso de vários doentes aos tratamentos e os responsáveis de saúde já tinham apelado às autoridades para que os parâmetros de diagnóstico do vírus fossem alargados de forma a diagnosticar e tratar mais pacientes.
Outro problema com os testes estava relacionado com a morosidade do processo de identificação do vírus. Os testes padrão de RNA poderiam demorar vários dias a chegar a um diagnóstico, enquanto a tomografia computadorizada pode mostrar mais rapidamente infecções nos pulmões.
Em declarações à agência Reuters, Qi Xiaolong, professor de Medicina em Gansu, China, considera que a mudança de metodologia a nível local poderá ajudar a uma deteção consequentemente isolamento mais rápido e efetivo, não só devido à falta de kits e de pessoal médico para realizar os testes, mas também por possíveis erros de diagnóstico nas amostras recolhidas para análise.
“Uma pessoa que tenha acusado negativo nos testes pode ser uma fonte de infeção para uma comunidade”, apontou.