Desembargador defende decisão que deu ‘Mega-Sena’ a filhos de colega

Além de não conseguir recuperar dívida de R$ 1,18 bilhão, Banco do Brasil ainda foi condenado a pagar R$ 178 milhões a fillhos de desembargador de MS

Foto: Reprodução Correio do Estado

Ao contrário de outros envolvidos na operação Ultima Ratio, o desembargador Sideni Soncini Pimentel fez questão de responder aos questionamentos do delegado Marcos Damato, da Polícia Federal, e defendeu a pertinência da decisão que mandou o Banco do Brasil pagar a “bagatela” de R$ 178 milhões aos filhos de um colega desembargador a título de honorários advocatícios. 

O valor, caso fosse um prêmio da Mega-Sena, seria o nono maior da históriam (excluindos os prêmios da virada de ano) e seria destinado aos filhos do desembargador Vladimir de Abreu, os advogados Marcus Vinícius e Ana Carolina Abreu.

Outro beneficiário seria o advogado Felix Jaime Nunes da Cunha, apontado como uma espécie de lobista do suposto esquema de venda de sentenças judiciais apontado pela Polícia Federal no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. 

Tanto Sideni Pimentel quanto Vladimir de Abreu, além de outros dois desembargadores, estão afastados de suas funções desde 24 de outubro do ano passado. 

Inicialmente a ação judicial estava nas mãos dos advogados Patrícia Alves Gaspareto de Souza Machado e Geilson da Silva Lima. Porém, eles “venderam” o direito da ação para Felix Nunes da Cunha e aos filhos do desembargador Vladimir de Abreu. Pelo acordo, tudo aquilo que passasse de R$ 60 milhões ficaria com os novos donos do pedido de cobrança de honorários. 

O julgamento favorável aos filhos de Vladimir aconteceu ainda em 2019, época em que eles tinham escritório no mesmo prédio de um filho de Sideni Soncini. Essa proximidade, segundo a Polícia Federal, seria um indício de venda de sentença. 

LEGALIDADE x MORALIDADE
Em seu depoimento, porém, Sideni Soncine deixa claro que não tem qualquer remorso moral por não ter colocado sob suspeição somente porque os advogados eram filhos de seu colega de corte ou porque dividiam o mesmo endereço do próprio filho. 

“É doutor, eu vou contrariar inclusive orientação dos meus advogados que querem que eu seja bem sucinto. Com relação ao o fato de ser Mané ou José o advogado eu nunca me senti impedido, e eu sempre julguei a não ser daqueles casos que a lei me impunha o dever de não julgar por causa do impedimento, é o que eu tenho a dizer pro senhor nesse caso aí desse julgamento”, 

E para tentar convencer o delegado de que não se tratava de decisão comprada, fez questão de enfatizar que o próprio banco era o culpado pelo fato de ter de desembolsar os R$ 178 milhões aos advogados. 

“Contratou mal, doutor. Ele contratou mal com quem ou não tinha garantia boa? Se se se tinha garantia ou que para quem lhe emprestou, não tinha lastro ou não tinha patrimônio para responder no, no caso de um não pagamento, essa é a realidade. Isso no foro, doutor Marcos, isso no foro é a coisa mais corriqueira e mais comum de, de existir. Lamentavelmente, né?”, afirmou Sideni ao ser indagado sobre a alternativa que restava ao banco, que tentava receber uma dívida. 

Delegado:  Então, se o banco não souber se a pessoa tem bens, ele não deve nem entrar com a ação, porque se não ele vai ter que pagar honorário por outra parte, é isso?” 

Desembargador – Sideni Pimentel: Certeza muitas vezes, muitas vezes é a melhor coisa de fazer. É deixar perder, colocar nos perdidos, né? Infelizmente. 

Honorário equivalente a prêmio de Mega-Sena
O empréstimo foi concedido ainda em 1997 e um proprietário rutal de Três Lagos e o valor total da conta, conforme cálculos feitos pelo próprio Tribunal de Justiça, chegava a impressionantes R$ 1,18 bilhão. E o valor dos honorários, também fixados pelo TJ-MS, foram definidos em 15% deste montante. 

O juiz de primeira instância já havia engavetado o caso e livrado tanto o Banco do Brasil quanto o devedor, que não tinha patrimônio para cobrir os débitos, do pagamento daquilo que supostamente caberia aos advogados. 

No Tribunal de Justiça, porém, sob os cuidados dos filhos do desembargador Vladimir de Abreu, o caso voltou a tramitar e o desembargador Sideni Soncini, que tem dois filhos advogados, fez questão de dizer ao delegado que esta não foi a única vez que decidiu a favor de advogados que cobram honorários. 

“O senhor leu aí pra dizer que eu condenei o banco. O meu entendimento sempre foi de que o benefício nessa causa de extinção por prescrição foi do proponente da ação, que é o Banco do Brasil, que tinha que pagar o horário. Esse foi o meu entendimento”, afirmou o magistrado. 

Ou seja, conforme defende o desembargador, além de o Banco do Brasil ficar sem receber sua dívida, de R$ 1,18 bilhão, ainda teria de desembolsar os R$ 178 milhões para bancar os honorários dos advogados. 

Mas, logo na sequência, o próprio desembargador admitiu que se o julgamento fosse agora, a decisão seria diferente e não julgaria mais a favor dos filhos do colega de corte. 

“Me curvei quando isso chegou aos tribunais superiores e por força de súmula, aí eu passei a cumprir o que determina a lei e passei a julgar de acordo com o entendimento dos tribunais superiores. E aí, então não mais condenando o credor no caso de extinção, que foi o que beneficiou o devedor”. 

Mesmo assim, o caso ainda tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Banco do Brasil ainda briga na Justiça para se livrar do pagamento dos honorários. 

Fonte: Correio do Estado –https://correiodoestado.com.br/cidades/desembargador-minimiza-decisao-que-deu-mega-sena-e-filhos-de-colega/447715/