Dino e Gonet respondem sobre fake news, liberdade de expressão e inquéritos sigilosos no STF

Paulo Gustavo Gonet Branco, indicado à PGR; presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP); e Flávio Dino, indicado para exercer o cargo de ministro do STF| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

As primeiras horas da sabatina conjunta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que avalia os nomes de Flávio Dino e Paulo Gonet, para o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) respectivamente, têm sido marcadas por perguntas sobre temas sensíveis, como liberdade de expressão, entendimento sobre fake news e os inquéritos sigilosos conduzidos pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Há anos, tais inquéritos vêm sendo apontados por juristas e políticos e ativistas de direita como abusivos.

Durante a sessão de perguntas, o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, questionou sobre a condução dos inquéritos das supostas fake news no STF; a censura prévia a materiais de campanha durante a eleição presidencial do ano passado; a negativa do ministro para fornecer as imagens do Palácio da Justiça à CPMI do 8 de janeiro, em que teria se manifestado de “maneira jocosa” nos autos; entre outros temas.

“Já faz um ano que passamos das eleições e não vejo o retorno de uma normalidade democrática”, ressaltou Marinho a Dino, afirmando ainda que o ministro foi “grosseiro e deselegante” e “abusou da autoridade de ministro da Justiça” em uma reunião recente com representantes de plataformas de redes sociais.

“Vossa excelência demonstrou que não tem o equilíbrio necessário”, completou Marino a Dino.

Por outro lado, o relator da indicação, Weverton Rocha, abriu a sessão de perguntas com elogios a Dino e defesa enfática da aprovação do ministro de Lula para o STF. O senador disse que esse é o momento de se esfriar a “questão da polarização política dos últimos anos”, e foi seguido por Jaques Wagner (PT-BA).

Rocha também destacou o posicionamento de Dino, em sua fala inicial, sobre ser contra as decisões monocráticas da Corte que tornam inconstitucionais determinadas leis aprovadas pelo Congresso. O assunto é espinhoso e motivou uma série de ataques e ameaças veladas de ministros do Supremo ao Senado, após a casa legislativa aprovar Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita as decisões individuais de ministros.

Ao responder questionamento feito pelo senador Jorge Seif (PL-SC), o ministro de Lula afirmou que fake news é crime, mesmo que a prática não esteja tipificada na legislação. “Claro que não existe um crime de fake news na legislação penal, mas a fake news pode caracterizar crime. E no mais das vezes caracteriza, porque uma fake news pode ser ameaça, calúnia, injúria, difamação, pode ser violação dos direitos políticos das mulheres, pode ser associação criminosa”, disse Dino.

“Poderia citar aqui para o senhor pelo menos uns 20 tipos penais diferentes que estão ínsitos à prática de fake news. A prática da fake news além de ser imoral e abjeta pode caracterizar vários crimes”, acrescentou. Em setembro, uma publicação de Dino recebeu checagem do X (antigo Twitter) após o aliado de Lula publicar a informação falsa de que, no Brasil, fake news seria crime.

Dino se esquiva duas vezes de responder sobre eventual impedimento de julgar Bolsonaro no STF
Flávio Dino evitou em duas ocasiões responder questionamentos sobre eventual declaração de impedimento em relação a julgamentos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Fiz uma pergunta que ficou sem resposta, se Vossa Excelência se sentiria impedido de julgar o seu inimigo declarado, que é o Jair Bolsonaro, como ministro”, disse Marinho ao questionar Dino pela segunda vez sobre o assunto. O ministro de Lula, que é um crítico declarado de Bolsonaro, já se referiu ao ex-presidente como “demônio” e “serial killer” e chegou a dizer que seria “mais perigoso que traficantes”.

Dino, entretanto, optou por resgatar uma pergunta do senador Espiridião Amin (PP-SC) em relação à participação do Ministério da Justiça sobre o 8 de janeiro e respondê-la em vez de dar o devido esclarecimento a Marinho.

Caso seja aprovado pela CCJ e pelo plenário do Senado e tome posse como ministro do STF, Dino vai herdar 344 ações que estavam sob a análise da ministra Rosa Weber, que se aposentou no final do mês de setembro. Entre os relativos ao ex-presidente, estão três que devem provocar discussões e longos votos, como as medidas tomadas por ele durante a pandemia da Covid-19, o indulto natalino a pessoas condenadas por crime com pena até cinco anos de prisão e suposto assédio contra jornalistas.

Apenas na ação envolvendo Bolsonaro e a gestão da pandemia, que corre desde 2021 e é derivada da CPI da Covid, são citados o ex-presidente, os filhos Flávio e Eduardo Bolsonaro, os deputados Carlos Jordy (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli (PL-SP), os ex-ministros Onyx Lorenzoni e Osmar Terra, entre outros.

O processo apura se Bolsonaro e outros agentes públicos incitaram a população a adotar comportamentos inadequados para o combate à pandemia. Segundo o relatório da CPI, eles teriam incitado a população ao cometimento do crime de infração de medida sanitária preventiva, com a disseminação de desinformação sobre o uso de medidas como uso de máscaras, lockdown e isolamento social, a eficácia da vacina e a defesa do tratamento precoce e da imunidade de rebanho pela contaminação pelo vírus.

Dino em fala inicial: “Não é estranha a presença de políticos nas Cortes”
Flávio Dino começou, por volta das 10h30, a fazer suas considerações iniciais durante a sabatina. Com fala mais branda do que nas vezes em que foi convocado para esclarecimentos na Câmara dos Deputados, ele se apresentou aos senadores ressaltando que essa é a primeira vez em 30 anos que um senador é indicado ao STF.

“Aqui e alhures, não é estranha a presença de políticos nas Cortes”, disse, fazendo um paralelo com a mesma prática nos Estados Unidos e no Brasil, como Nelson Jobim e Paulo Brossard.

“Me sinto muito confortável de aqui estar nesta dupla condição, para ser examinado nos requisitos constitucionais”, destacou, afirmando que foi à comissão apenas para responder a questionamentos sobre notório saber jurídico e reputação ilibada.

“É claro que quando o presidente da República me honra com a indicação para aqui estar, não vim aqui para fazer debate político. Não me cabe nesse momento. Vim apenas responder ao atendimento dos dois requisitos constitucionais: notável saber jurídico e reputação ilibada”, declarou.

Gonet diz que “liberdade de expressão não é plena e deve ser modulada”

Durante a sabatina, Gonet disse que a “liberdade de expressão não é plena e deve ser modulada”. “Sabemos que os direitos fundamentais muitas vezes entram em atrito com outros valores constitucionais. E aí eles precisam ser ponderados, para saber qual que vai ser o predominante em uma determinada situação… A liberdade de expressão, portanto, não é plena. E a liberdade de expressão pode e deve ser modulada de acordo com as circunstâncias”.

Gonet afirmou isso ao responder um questionamento do senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, sobre o caso em que a produtora de vídeos Brasil Paralelo foi impedida de lançar, na campanha eleitoral do ano passado, um filme cujo título era “Quem mandou matar Jair Bolsonaro”.

Dino e Gonet iniciam sabatina em modelo inédito no Senado
O ministro Flávio Dino e o procurador-geral eleitoral interino Paulo Gonet, nomeados para o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), respectivamente, deram início, nesta quarta-feira (13), à sabatina conjunta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Neste formato inédito, os indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) respondem às perguntas dos 27 membros da CCJ antes da votação de seus nomes pelo colegiado.

O formato da apreciação das duas autoridades escolhido pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), foi criticado por Alessandro Vieira (MDB-SE) logo no começo da sessão. Ele apresentou uma questão de ordem para que as sabatinas sejam feitas separadamente, para que os senadores tenham mais tempo para questionar Dino e Gonet.

“Não há por que submeter esta Casa, esta comissão e os indicados ao rebaixamento de uma sabatina mal feita, açodada”, disse Vieira. A posição foi acompanhada por senadores da oposição, como Rogerio Marinho (PL-RN), Magno Malta (PL-ES), Eduardo Girão (Novo-CE), Marcos Rogério (PL-GO) e Jorge Seif (PL-SC). “É uma inovação, que nunca tinha visto acontecer, antidemocrática, que não contribui com o esclarecimento das questões importantes que a nação quer saber”, disse Girão logo no começo da sessão.

Os aliados de Dino, por sua vez, insistiram que o formato já foi implementado noutras situações.

Em resposta, Alcolumbre disse que ouviu o pedido dos senadores, mas defendeu que na Constituição e no regimento interno do Senado não está expressa a necessidade de individualizar as sabatinas de autoridades. Ele também lembrou a decisão do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de proceder “esforço concentrado” para cumprir a agenda.

Ao manter o formato da arguição, ele explicou que cada senador terá 10 minutos para questionar um ou ambos os indicados, 10 minutos para respostas, cinco minutos para réplica e cinco para a tréplica.

Depois da sabatina na CCJ, os indicados passarão pelo plenário dos 81 senadores no mesmo dia ou na quinta-feira (14), em uma segunda votação secreta, necessitando, ao menos, de 41 votos favoráveis para a confirmação definitiva. A tendência é de que ambos sejam aprovados, com Gonet obtendo margem de votos mais ampla do que Dino. O Congresso deverá entrar em recesso no dia 23. É possível que a posse fique para 2024.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), espera de 45 a 52 votos para Dino. A oposição soma 25 votos contrários declarados e reconhece nos bastidores grande dificuldade em chegar aos 41. Na história, os senadores só barraram cinco indicados ao STF, todos em 1894.

O senador Izalci Lucas (PSDB-MG) disse antes de entrar no local da sabatina que, apesar do procedimento adotado pelo presidente do colegiado, Davi Alcolumbre, a decisão de voto dos senadores já está definida e não deve se alterar em função dos questionamentos e as respostas dos indicados.

Jornalistas ficam de fora do auditório
A sabatina de Flávio Dino e Paulo Gonet é inédita não apenas na forma de sessão conjunta, mas também no esquema de segurança envolvido. A avenida que dá acesso ao anexo 2 do Senado chegou a ser fechada e os esquemas de revistas de visitantes foram intensificados. O corredor da CCJ também sofreu bloqueios para acesso, dificultando a entrada até mesmo de senadores. A imprensa não pôde acompanhar a sessão no auditório.

Sabatina deve se estender até o fim da tarde

Pouco antes de iniciar a sessão, o senador Omar Aziz (PSD-AM) ressaltou que a sabatina de Dino será de “um colega” na sessão, já que o ministro é um parlamentar licenciado. Ele ainda defendeu o formato de questionamento conjunto, por conta da quantidade de votações ainda pendentes a pouco mais de uma semana do início do recesso.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou à imprensa que acredita que a sabatina deve terminar até as 17h.

Relator da indicação de Dino ao Senado, Weverton Rocha (PDT-MA) defendeu a indicação e disse esperar uma sessão “madura”, em que “mesmo os que discordam irão, dentro da sua convicção, fazer suas interpelações, mas claro mantendo totalmente o respeito e as normas que o regimento interno impõe dentro do decoro parlamentar”.

Segundo o relator, a votação de Dino deve ser levada ao plenário do Senado ainda nesta quarta (13), com a votação de um requerimento de urgência assim que a sabatina for terminada. Ele afirmou que o placar na CCJ deve ser de 15 votos a favor e 12 contra, e 53 favoráveis no plenário.

Indicados intensificaram na véspera a busca por mais apoio
No dia anterior à sabatina simultânea, Dino e Gonet passaram o dia nos corredores e gabinetes no Senado em busca de votos para sua aprovação. Eles se reuniram separadamente com as bancadas feminina e do PSD (a maior do Senado, com 15 membros), além de visitarem diversos gabinetes. Dino também se encontrou com a bancada do MDB e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). No mesmo dia, Lula garantiu a Omar Aziz (PSD-AM) e Eduardo Braga (MDB-AM) a inclusão do Porto de Manaus entre a prioridades do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Mesmo sem afetar o resultado da votação, quatro ministros de Lula que têm assento no Senado deverão deixar temporariamente os cargos apenas para votar no ministro da Justiça. Se licenciarão Camilo Santana (Educação), Carlos Fávaro (Agricultura), Renan Filho (Transportes) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social). Dino agradeceu o “carinho” e a “homenagem”.

Citando o trecho bíblico sobre a conversão do apóstolo Paulo na Estrada de Damasco, ele disse crer na mudança de voto de senadores que o rejeitam. Para tentar atraí-los, afirmou que deixaria o perfil político para trás e que se compromete a ser um “facilitador do diálogo entre os Poderes”.

O ministro é sabatinado em um momento de tensão entre STF e Congresso, em torno do pacote de medidas para limitar os poderes dos magistrados. A ida para a Corte de um político combativo de esquerda e muito ligado a Lula poderia, em tese, estimular esse embate.

Fonte: Gazeta do Povo