Beto Azambuja
Esqueça o Olímpico, o Beira-Rio, o Maracanã ou o Morumbi. A estreia de Renato Gaúcho pelo time profissional do Grêmio, que completa 40 anos nesta segunda-feira, ocorreu a mais de mil quilômetros de Porto Alegre. Em uma cidade na qual o hotel não tinha cobertores suficientes para a delegação e o estádio leva o apelido de “Loucão”.
No dia 15 de junho de 1980, o elenco tricolor desembarcou na pequena Maracaju, no recém-criado estado do Mato Grosso do Sul, a 160 quilômetros da capital Campo Grande. À época com cerca de 10 mil pessoas, a cidade estava em polvorosa pela presença dos gremistas.
E tudo faz sentido. Assim como muitos municípios do Centro-Oeste, Maracaju é praticamente uma colônia gaúcha dentro do Brasil. Na segunda metade do século passado, milhares de pessoas deixaram o Rio Grande do Sul para explorar o potencial agrícola daquelas terras.
O então prefeito Luiz Gonzaga Prata Braga, conhecido até hoje como “Louco” pela megalomania de suas ideias para a cidade, decidiu erguer um estádio de futebol para 5 mil pessoas. Ou seja, metade da população caberia lá. Batizou-o com o próprio nome, claro, e foi questão de tempo para o apelido “Loucão” pegar.
Em uma roda de amigos, Prata ouviu o pedido para colocar Grêmio ou Inter em campo na partida de inauguração. Por meio do governador Harry Amorim Costa, que era gaúcho, conseguiu acertar com o Tricolor. O adversário seria o Comercial, justamente o Colorado do Mato Grosso do Sul.
— Eu só fazia coisa de louco mesmo! Não conhecia ninguém do Grêmio, mas foi um jogo muito bonito. Posso dizer que o Renato “nasceu” lá, porque foi o primeiro jogo. E o Loucão está esperando ele de novo — brinca Prata, hoje com 82 anos.
Corrida por cobertores e a proximidade com os ídolos
O Mato Grosso do Sul está longe de ser um estado de clima frio. Mas na noite da véspera da partida a temperatura despencou. E o dono do mais novo hotel de Maracaju precisou correr para atender à delegação gremista.
— O hotel onde a delegação se hospedou estava sendo inaugurado também. A temperatura caiu à noite e faltou coberta para os jogadores. Aí o dono me procurou, fomos numa loja e conseguimos cobertores emprestados — relata o cônsul do Grêmio na cidade à época, Francisco Alves Fialho.
A família de Francisco havia deixado Vacaria, na Serra, no início da década de 70, para buscar o eldorado das terras férteis do Centro-Oeste. Mas o amor pelo Tricolor só aumentava na figura do filho, Alexandre. Então com 11 anos, o garoto não se continha com a euforia de ver os ídolos de perto.
— Nós fomos a Campo Grande, porque o meu pai ajudou no transporte da delegação até Maracaju. O presidente Rafael Bandeira foi no carro dele. Tive o privilégio de ir no ônibus com os jogadores e sentei ao lado do China. Era tudo muito grandioso para mim — recorda Alexandre, hoje com 52 anos.
No dia do jogo, o pequeno torcedor também teve acesso ao vestiário. Acompanhou atento à preleção do técnico Valdir Espinosa, que reforçou aos jogadores a necessidade de empenho em campo mesmo em um amistoso. Aí entra uma lembrança ambígua de Alexandre.
— O Renato na época era uma grande promessa. Tive a oportunidade de entrar em campo com ele. Eufórico, pedi para me dar a camiseta. Mas quando terminou a partida, os jogadores foram muito assediados. Nem vi mais quando ele saiu. Lembro que reclamei muito para o meu pai porque não ganhei a camiseta — recorda, com bom humor, Alexandre, que aparece à frente de Renato em uma das poucas fotos existentes daquela partida.
Renato atrai atenção dentro e fora do campo
Em campo, os gremistas não responderam ao pedido de Espinosa e, mesmo com força máxima, perderam por 1 a 0 para o Comercial. “A gauchada queria me matar”, lembra o prefeito Prata. O ponta direita Renato, então aos 17 anos, foi substituído no segundo tempo por Jurandir. Mas já deixou a marca em seu primeiro “rival”, o lateral-esquerdo Diogo.
— Eu tinha 27 anos, era mais experiente que ele. Mas tinha muita saúde, forte, partia para cima. Garotão novo, correndo que nem maluco. Não imaginava que ia virar essa fera. Tinha que chegar duro, senão ia deitar. E o time era bom: Baltazar, China, Bonamigo. A gente queria ganhar. Era que nem jogo de campeonato. Para nós, valia a vida — recorda Diogo, hoje com 67 anos.