Componente do sangue será enviado para produção de medicamentos pela Hemobrás; com a PEC do Plasma em discussão, especialista afirma que comercialização pode gerar desigualdades
A Hemorrede do Estado do Mato Grosso do Sul (Hemosul) enviará unidades de plasma remanescentes, as quais seriam descartadas, para empresa de produção de hemoderivados, ou seja, medicamentos fabricados a partir de componentes originados do sangue humano.
Segundo a entidade, inicialmente serão encaminhadas em torno de 3.500 unidades de plasma à
Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), indústria pertencente ao governo federal e vinculada ao Ministério da Saúde.
A coordenadora da Hemosul, Marli Vavas, esclarece que o quantitativo de unidades é uma previsão de envio, que depende da necessidade de pacientes atendidos pela entidade em casos de transfusão do componente.
O número é em torno de 3.500 unidades de plasma quando formos enviar, porque, por enquanto, começamos a armazenar [bolsas] para enviar assim que atingirmos a quantidade. Mas também é flutuante, pois quanto mais a gente utilizar para os pacientes, menos a gente consegue enviar”, detalha a coordenadora.
No ano passado, foram produzidas 53.436 unidades de plasma, no entanto, apenas 9.416 delas foram distribuídas, isto é, utilizadas em pacientes. Tais números indicam que, das cerca de 4.453 unidades produzidas mensalmente, 3.668 bolsas são descartadas, aproximadamente.
A Hemosul detalha que, atualmente, a coleta de bolsas de sangue no Estado chega a 5.500 unidades por mês. A partir do coletado em doações, são extraídos outros hemocomponentes, que são as hemácias, as plaquetas e o plasma, além do crioprecipitado, que é menos utilizado e raramente produzido.
“Antes, o plasma era utilizado em pacientes e o excedente era descartado. No ano passado, a gente recebeu a validação da Hemobrás, que nos visitou e autorizou a entrega do plasma, que estamos começando”, explica a Marli Vavas.
Atualmente, a Hemosul utiliza o plasma para transfusões em caso de pacientes com distúrbios de coagulação.
“A Hemosul faz procedimento de plasmaférese, que é a troca do plasma em pacientes com algumas doenças relativas ao componente, com a troca do plasma doente pelo saudável, em casos de doenças autoimunes, doenças do próprio plasma ou em queimaduras”, informa a Hemosul.
Conforme a Hemobrás, com o repasse de cerca de 7 mil litros de plasma, levando em consideração que cada unidade deve ter em torno de 200 ml, será possível a produção de quatro tipos de hemoderivados – a albumina, a imunoglobulina e os fatores oito e nove da coagulação.
Tais medicamentos são utilizados para o tratamento de doenças relacionadas à coagulação sanguínea.
Marli Vavas ainda destaca que não haverá maiores custos quanto à produção do plasma que será repassado, pois a Hemosul já realiza tal procedimento. Para o transporte, porém, os valores ainda serão discutidos com a Hemobrás, já que o projeto ainda é recente.
“Custo não vai ter, porque já é o custo que temos de produção. O encaminhamento ainda está em fase de definição de processo, de como ele se dará”, conclui a coordenadora.
COMERCIALIZAÇÃO
Em contrapartida ao repasse da Hemosul, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 10/2022 é discutida no Estado e no País a respeito da comercialização do componente.
O projeto de lei, de autoria do senador Nelson Trad (PSD), prevê a remuneração para doadores de plasma e a venda do componente à iniciativa privada, à iniciativa pública e para a indústria farmacêutica.
O médico infectologista Julio Croda argumenta que os projetos tendem a aumentar a desigualdade quanto ao acesso de produtos derivados do sangue.
“Acredito que a comercialização pode gerar mais desigualdades, porque se pode, eventualmente, diminuir a doação para o sistema público, prejudicando os serviços de saúde públicos, ou seja, aumentar as desigualdades no acesso a esses componentes”, afirma Croda.
Para a Hemosul, o projeto de Trad traz diversos pontos negativos para a segurança transfusional. Além disso, a proposta pode acarretar certo perigo para a segurança do sangue, levando ao retrocesso da doação voluntária.
De acordo com a entidade, a doação por interesse em remuneração poderá prejudicar a segurança do paciente, que receberia uma bolsa de sangue sem nenhuma garantia de qualidade, já que um doador poderia omitir questões impeditivas para conseguir o pagamento, por exemplo.
“Sabe-se que convivemos com pessoas diferentes. Alguns poderão manter a ética na doação, mesmo concorrendo a esse bônus, mas também haverá muitos que ingressarão nesse processo apenas pelo interesse [financeiro], dispostos a omitir o que for preciso para receber sua recompensa, o que trará risco com o qual não devemos concordar”, analisa Marli Vavas.
A proposta para a comercialização ainda está em tramitação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Na última pauta prevista pela CCJ, a relatora, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), sugeriu um novo texto para a PEC, a fim de esclarecer as informações contraditórias.
Fonte: Correio do Estado