Um ano depois dos atentados do 8 de janeiro, há inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) que investigam a participação de apoiadores de Bolsonaro nas manifestações, no financiamento dos grupos que se manifestaram e até mesmo na autoria intelectual dos atentados. Outros elementos duvidosos do 8/1, contudo, não ganham do Judiciário a mesma atenção.
A hipótese da presença de infiltrados entre os manifestantes, por exemplo, nunca foi levada em consideração pela Justiça, ainda que haja vídeos e depoimentos suficientes para torná-la plausível.
O comportamento errático e suspeito de Flávio Dino, então ministro da Justiça e Segurança Pública, com relação à polêmica das câmeras de segurança de seu ministério também não recebeu atenção da Justiça. Além disso, o Senado, que o investiga na CPMI do 8 de janeiro, acabou aprovando seu nome para membro do Supremo, com baixa resistência inclusive daqueles que se contam entre os parlamentares de oposição.
A omissão do governo Lula em relação aos atentados, mesmo diante de alertas emitidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), é outra questão negligenciada pelo Judiciário, que, por motivos análogos, afastou Ibaneis Rocha do governo do Distrito Federal. Ele foi reconduzido ao cargo dois meses depois.
Relembre as dúvidas sobre o 8/1 que ainda são negligenciadas.
A tese da presença de infiltrados no 8/1
A presença de infiltrados nas manifestações é uma das dúvidas a serem solucionadas sobre o 8 de janeiro.
Em vídeos publicados nas redes sociais no próprio dia 8/1 do ano passado, alguns dos manifestantes presentes dizem que estavam tentando impedir infiltrados de vandalizar o patrimônio público.
Nas imagens divulgadas, pessoas com capuz e bandanas, cobrindo o rosto, entram em conflito com manifestantes, como no caso de um homem usando capuz e carregando um pedaço de pau na mão. Um dos encapuzados foi cercado pelos manifestantes e detido pela polícia.
Levantou-se, além disso, a suspeita – trazida inicialmente pela Revista Oeste – de que filiados a partidos de esquerda estariam nas manifestações. Há casos, no entanto, de pessoas que eram vinculadas a esses partidos, mas haviam deixado de militar por eles e agora apoiavam as manifestações.
No ano passado, imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostraram o fotógrafo da Reuters Adriano Machado conversando de forma amistosa com manifestantes enquanto tirava suas fotos. A hipótese de que Machado teria combinado as fotos com alguns dos presentes no local foi levantada, mas a tese esfriou após o depoimento do fotógrafo à CPMI do 8 de janeiro. Ele explicou que dialogou com manifestantes porque alguns deles não queriam sua presença ali, enquanto outros queriam mostrar boa disposição com ele.
Comportamento de Dino sobre o acesso às imagens das câmeras de seu ministério
O comportamento duvidoso do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em relação às imagens das câmeras de segurança do prédio onde fica sua pasta na Esplanada dos Ministérios é outro elemento do 8/1 que ainda demanda esclarecimentos.
Durante quase dois meses, o ministro recorreu a evasivas para negar os diversos requerimentos feitos pela CPMI do 8 de janeiro por acesso às imagens das câmeras de segurança que registraram a movimentação dos manifestantes pela Esplanada dos Ministérios.
Primeiro, o ministério disse que as imagens não poderiam ser compartilhadas por já estarem “em sede de investigação criminal”. “Esta decisão administrativa visa preservar a autoridade do Poder Judiciário no que se refere ao compartilhamento de provas constantes de Inquéritos com eventuais diligências em curso”, disse o Ministério da Justiça.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Dino afirmou que “as imagens estão em inquéritos policiais” e que bastava “pedir para quem preside o inquérito”, em referência ao STF.
No fim de agosto, após ele ser denunciado por prevaricação, o pretexto mudou. Depois que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou o Ministério da Justiça a compartilhar todas as imagens à CPMI, Dino passou a afirmar que as imagens não existiam mais. Ele alegou “problema contratual”.
“O mesmo problema aconteceu no Senado. É problema contratual. Eu não sabia disso. Não sou gestor de contrato, sou ministro da Justiça. A Polícia Federal veio aqui e recolheu o que precisava. Só soube agora quais imagens a PF recolheu. Eu não conheço o inquérito, está tudo sob sigilo”, disse.
A oposição não ficou satisfeita com a explicação. No fim de setembro, o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) apresentou uma denúncia à Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Dino por supostos crimes de responsabilidade, fraude processual, impedimento à investigação de infração penal e extravio, e sonegação ou inutilização de documentos.
A omissão do governo Lula no 8/1 e as hipóteses de premeditação
Há inquéritos em curso no Supremo que investigam, entre outras coisas, a participação de apoiadores de Bolsonaro nas manifestações, no financiamento dos grupos que se manifestaram e até mesmo na autoria intelectual dos atentados do 8 de janeiro. Não há, contudo, nenhum movimento semelhante do Judiciário para investigar o governo federal por omissão ou prevaricação. Essas hipóteses só ganharam atenção de membros do poder público durante a CPMI do 8/1.
Trechos das imagens fornecidas de duas câmeras do Ministério da Justiça mostram que, cerca de uma hora após as invasões de prédios públicos, iniciadas por volta das 15h do 8 de janeiro, homens da Força Nacional circulavam tranquilamente pela recepção. Dino alega que a corporação tinha sido colocada em estado de prontidão por ele, mas não foi acionada diante da expectativa de uma solicitação formal do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
O ministro e a Força Nacional, que é subordinada a Dino, permaneceram ao menos duas horas e meia sem reagir aos eventos de vandalismo, conforme imagens reveladas. Soldados da tropa e o próprio Dino ficaram assistindo a tudo o que ocorria poucos metros à sua frente.
Além disso, em seu depoimento à CPMI, o fotógrafo Adriano Machado, da Reuters, relatou a presença de cerca de 240 membros da Força Nacional posicionados atrás do prédio, próximo ao estacionamento, quando as invasões já tinham começado. O relato de Machado reforça a suspeita da oposição de que o governo foi leniente com os atentados.
Desde abril, essa hipótese é aventada, depois que se revelou que Dino e o então comandante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, foram avisados no dia 6 de janeiro de 2023 pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre a possibilidade de ações violentas nos atos de 8 de janeiro, isto é, dois dias antes do protesto que culminou com a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes. Os ministros alegam que não receberam os informes, mas a Abin garante que as mensagens também foram enviadas ao celular de Dias.
Outro mistério é a presença de Dias e membros do GSI no Planalto naquele domingo, revelada por imagens de câmeras de segurança divulgadas em abril deste ano. O ex-ministro disse à Polícia Federal que estava no edifício para retirar os manifestantes e que não os prendeu porque tentava fazer um “gerenciamento de crise”.