Um dos nomes mais conhecidos no Brasil na luta pelo parto humanizado, a doula e educadora perinatal Érica de Paula chama a atenção para os números do país: mais da metade dos partos é de cesariana, enquanto o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 15% e na rede privada, os índices chegam a 80%.
Coautora do filme “O Renascimento do Parto”, de 2013, onde fez o roteiro, produção e pesquisa, Érica conseguiu chamar a atenção com o longa-metragem para a realidade obstétrica no Brasil.
O filme questiona o fato de o país ter tantas cirurgias cesarianas, quando pesquisas científicas apontam que o parto normal é mais seguro para mãe e o bebê.
“Existem estudos que mostram que até 80% das mulheres no início da gestação querem parto normal e elas vão mudando de ideia ao longo do pré-natal, e mesmo aquelas que não mudam de ideia acabam não fazendo, porque o sistema obstétrico as leva para um desfecho que elas não queriam”, destacou.
A doula é a favor da escolha da mulher pelo tipo de parto que quer fazer. Mas diz que, quando a mãe recebe informação e é orientada adequadamente, são raros os casos que ainda prossiga optando pela cesariana.
Medo
“O que acontece muito é a mulher optar por uma cesariana por medo, não porque ela quer passar pela cirurgia, mas por medo de sofrer uma violência obstétrica porque ela ficou impressionada com relatos de partos normais que ela escutou, que tiveram uma assistência muito ruim e, para evitar isso, ela opta pela cesariana. Mas, quando ela sabe que pode ter uma assistência humanizada, é muito difícil que ainda assim ela opte pela cesariana”, contou.
A cesariana, para a entrevistada, deveria ser vista como uma técnica que salva vidas, sendo importante para os casos necessários. Mas não como um modo mais seguro para dar à luz. “Você não tira um apêndice saudável pelo risco, da mesma forma é a cesariana”. E acrescentou: “ela (a cesariana) é uma cirurgia de médio a grande porte, que tem todos os riscos de uma cirurgia”.
Além desses dados, ela destacou outro número alarmante no Brasil. “Tem uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo que fala que 25% das mulheres no Brasil se percebem vítimas de violência obstétrica. Isso já seria um número muito grande. E se pensar que muitas dessas mulheres sofrem violência obstétrica sem saber que aquilo era violência obstétrica, esse número é muito maior”, afirmou.
O parto humanizado seria a saída para reduzir cesarianas e evitar a violência obstétrica, segundo Érica de Paula. Ela explicou que o parto humanizado é “aquele que, em primeiro lugar, a mulher é protagonista desse evento, ela tem direito a escolha, quem são os acompanhantes, escolhe se quer comer ou não, escolhe a música, a temperatura, amamentar na primeira hora de vida, decidir se ela aceita ou não alguma intervenção que não coloque em risco a vida dela e do bebê”.
Pressão
A pressão pelo parto humanizado vem crescendo no Brasil. Para a doula, umas das ferramentas que tem ajudado são as redes sociais que “fizeram com que as mulheres que pensam parecido pudessem se unir pelo mundo todo em grupos muitos fortes que existem em todas as redes sociais. Eu acho que o filme que eu produzi contribuiu para uma ampliação dessa discussão aqui no Brasil, foi uma gotinha de gasolina que ajudou a inflamar esse movimento que já estava crescendo e ampliou muito a discussão”.
O parto humanizado ainda é uma realidade mais próxima de quem opta por pagar pelo parto. Mas Érica garante que existem iniciativas para dar acesso a todas.
“Hoje em dia, para você ter uma garantia de um parto humanizado, normalmente vai ser necessária uma equipe particular. Mas existem iniciativas hoje, tanto do governo quanto do setor privado, para que isso seja garantido. Existem projetos de lei. E existe a lei da doula em vários estados, que garante o direito não só ao acompanhante – que isso já é lei há muito tempo – mas o direito de levar uma doula, o que melhora bastante a assistência desse parto”, disse.