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Nos divórcios e nas dissoluções de união estável, um dos pontos que costumam gerar conflitos é com relação a divisão do gado que pertence ao casal. Por isso, é fundamental ficar bastante atento a atitudes que tentam ocultar geralmente não todo, mas parte dele. Dependendo da quantidade, pode haver bastante dinheiro envolvido.
Uma das discussões que ocorre é quando a quantidade declarada nos órgãos oficiais não condiz com a informada pelos órgãos competentes. Nesses casos, é sempre salutar tentar apresentar não apenas provas documentais, mas até mesmo testemunhais, diligências de oficial de justiça, fotos e quaisquer outros elementos de que a quantidade gado não é aquela que consta nos documentos apresentados.
No linguajar jurídico, dizemos que o “ônus da prova” de que estão errados os números apresentados pelos órgãos oficiais é de quem se sentiu prejudicado. Como já foi decidido: “(…) era do réu/apelante o ônus de provar que o numero de semoventes existentes na data da separação era diverso daquele constante do documento de fiscalização em seu nome. Ausente tal prova, tais semoventes devem ser partilhados. (…)” (Ap. Cível 70080787567, Julg. 30/05/2019).
Vejamos um caso em que aconteceu exatamente isso, no imposto de renda estavam declaradas 130 cabeças de gado, enquanto pelo Agrodefesa, que é a Agência Goiânia de Defesa Agropecuária, a quantidade era de 320 cabeças na data da separação do casal. O Tribunal de Justiça então determinou a partilha das 320, conforme trecho da ementa abaixo transcrita:
(…) 4. Partilhar-se-á a quantidade de semoventes existentes à época da separação do casal (meados de 2012), razão pela qual deverá ser considerado o documento expedido pela AGRODEFESA, que demonstra que em 24/05/2012, foram vacinadas 320 cabeças de gado.(…) (TJ-GO 5095019-29.2017.8.09.0000. Dt. pub 20/09/2017)
Noutra ocasião, a prova foi a ficha sanitária do IMA – Instituto Mineiro de Agropecuária comprovando a entrada do rebanho na fazenda dois anos antes da separação do casal, essa demonstração foi fortalecida pelas fichas de vacinação e ainda se levou em consideração o fato de que se tratava de gado para recria e engorda, cujo ciclo costuma levar de três a quatro anos. O ex-marido insistia na alegação de que a quantidade descrita na ficha sanitária do IMA estava errada, porém não pediu a correção da quantidade no referido órgão e não apresentou notas fiscais de saída do gado, levando o Poder Judiciário a concluir pela efetiva existência dele no momento do divórcio e determinando assim a partilha.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO COM PEDIDO DE PARTILHA DE BENS. PARTILHA. SEMOVENTES. FICHA SANITÁRIA IMA. DOCUMENTO HÁBIL PARA COMPROVAR PROPRIEDADE DOS SEMOVENTES. AUSÊNCIA DE PROVA DA SAÍDA DO REBANHO. PREVALÊNCIA DO REBANHO CADASTRADO E QUE CONSTA DAS FICHAS DO IMA- PARTILHA DO REBANHO QUE CONSTAVA DA PROPRIEDADE À ÉPOCA DA SEPARAÇÃO DE FATO. (…) – A ficha sanitária animal emitida pelo IMA constitui documento hábil para comprovar a propriedade dos semoventes, uma vez que referido documento comprova a entrada do rebanho na propriedade do casal, mas o réu não comprova a sua saída, conforme nota fiscal exigível, pelo que deve ser mantida a sentença que ordenou a partilha do rebanho, tal como consta dos documentos fornecidos pelo IMA, o qual constava da propriedade na época da separação de fato do casal – (…) (TJ-MG – AC: 50952096920188130024. Data de Publicação: 21/10/2024)
Tentar impedir a venda do gado não é uma opção muito aceita pela jurisprudência, especialmente porque isso normalmente equivaleria a impossibilitar a geração de renda advinda do comércio realizado. Evidente que a análise é feita caso a caso, principalmente levando em consideração os demais bens envolvidos (fazendas, casas, maquinário, etc.), avaliando se são capazes de garantir que a parte prejudicada seja devidamente indenizada na proporção do patrimônio desfalcado.
Nas decisões abaixo, isso fica evidenciado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVÓRCIO DIRETO. PARTILHA DE BENS. BLOQUEIO DA VENDA DE SEMOVENTES. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA INDEFERIDA. Para que se antecipe a tutela é necessário a existência de dano irreparável, o que não ocorre no caso, pois os bens a serem partilhados são os existentes quando da separação de fato e eventual alienação dos semoventes deverá ser indenizada. A restrição do varão de vender os referidos animais poderá carrear prejuízo a ambas as partes, visto que o impediria gerir seus negócios, porquanto exerce atividade de pecuarista, sendo o responsável pelo sustento da família, razão pela qual se mantém indeferida a antecipação da tutela.Agravo de instrumento desprovido. (TJ-RS – AI: 70041123647 RS, Data de Publicação: 11/04/2011)
(…) COMERCIALIZAÇÃO DE SEMOVENTES. (…) III- Não se verifica dano irreparável a comercialização dos semoventes, porquanto compõe os bens do casal, sendo que o impedimento imposto ao recorrente de gerir seus negócios, resultará provável dano ao seu patrimônio. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-GO 5001042-75.2020.8.09.0000, Data de Publicação: 03/04/2020)
Assim, quando no divórcio há cabeças de gado a serem divididas, cabe à parte que alega comprovar a existência e propriedade delas. Os órgãos de fiscalização agropecuários e sanitários são excelentes meios de conseguir realizar essa prova. Se uma das partes alegar que a quantidade é diferente da informada pelos documentos públicos, então terá a obrigação de fazer a prova contrária. Por fim, se houver a venda de todo ou parte do rebanho após a separação do casal, o valor equivalente será levado em consideração no momento da partilha.
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Autor:
Henrique Lima, advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil.
É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito civil, direito de família e sucessões, direito constitucional, direito do trabalho e direito do consumidor. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.