Por que (quase) ninguém investe nos clubes?

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A falta de apoio da iniciativa privada é um dos maiores problemas no futebol sul-mato-grossense. As empresas não se sentem seguras em apoiar times que há anos não conseguem vencer competições nacionais. Deste modo, os patrocínios quando existem são modestos financeiramente ou na base da troca por serviços como convênio com farmácia ou academias.

Sobre a situação do futebol no Estado, o jornal O Estado MS iniciou uma série de reportagens. A primeira, publicada no dia 14 de março e tratou sobre a falta de resultados e de investimentos nas categorias de base. Agora, a reportagem ouviu representantes do poder público, da CBF, e dos clubes sobre os motivos dos clubes que disputam o Sul-Mato-Grossense não despertarem o interesse de empresas privadas.

A Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul) é a maior patrocinadora do Campeonato Estadual. Neste ano, a fundação repassou em média R$ 82 mil para cada clube disputar a série A do campeonato, um total de R$ 820 mil, 30% a mais do que era em 2019. O recurso é proveniente do FIE (Fundo de Investimentos Esportivos) e auxilia os clubes nas despesas, como taxa de arbitragem, hospedagem, alimentação e custeio de materiais esportivos.

De acordo com o diretor-presidente da Fundesporte, Marcelo Miranda, sem o recurso a maioria dos clubes não conseguiria participar do campeonato e que o governo até poderia fazer um aporte maior, mas que devido a falta de bons resultados, a pasta é muito cobrada, já que é um recurso público. E, devido a fase ruim que o futebol sul-mato-grossense vive, as empresas não dão patrocínios aos clubes, mesmo com a Lei de Incentivo ao Esporte. “Eu entendo que os resultados ruins desestimulam as empresas, mesmo a lei de incentivo que dá benefícios a elas”, disse o presidente da fundação.

Em relação ao apoio dado pelas prefeituras aos times, Miranda relembra que na Capital esse auxílio não acontece na gestão do atual prefeito Marquinhos Trad. “As prefeituras do interior normalmente apoiam os seus times, mas em Campo Grande nós sentimos falta. Parece que existe uma dificuldade administrativa para que o apoio seja feito.”
Em comparação, o time de Costa Rica conta com R$ 630 mil da prefeitura para disputar o campeonato estadual.

Apoio esbarra na falta de documentação dos clubes, diz Funesp

A prefeitura de Campo Grande não apoia com recursos financeiros as equipes da cidade. O diretor-presidente da Funesp (Fundação Municipal de Esporte), Rodrigo Terra, alega que a fundação já tentou realizar o apoio com verbas, mas devido a falta de regularização da documentação dos clubes, a entidade não conseguiu fazer o repasse.

“Para ajudar os clubes financeiramente requer uma série de documentação, que devem estar dentro do que é determinado. Já tentamos algumas vezes, mas no momento os clubes estavam com as certidões negativas”, afirmou o diretor. Ele diz que a prefeitura tem ajudado de outras formas, como a concessão do estádio Jacques da Luz, nas Moreninhas, para a realização dos jogos do campeonato e o empréstimo de ônibus para levar os times para as partidas no interior.

Segundo Terra, mesmo que alguns clubes tenham regularizado a documentação, ainda não será possível dar o auxílio, já que a gestão municipal tem que apoiar todos os times, sem deixar algum desamparado. Neste ano, a cidade conta com quatro equipes na competição.
“Apoiamos todos ou nenhum. É algo que deve ser analisado ano a ano. Desde que toda a documentação exigida esteja dentro dos padrões, não vamos ter dificuldades em apoiá-los”, finalizou.

O presidente do Comercial, Cláudio Barbosa alega que o time não tem condições de regularizar a sua documentação e que sem dinheiro não há nada que possa ser feito para mudar o cenário no clube. “O Comercial não tem a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas. Estamos com poucos patrocínios e que ajudam apenas durante o campeonato. Sem dinheiro não temos nada que possamos fazer a não ser continuar nessa situação”, disse o dirigente que espera um incentivo maior do governo para a área de esporte. Atualmente a dívida do Colorado com acordos trabalhistas chegam a R$ 4 milhões.

A prefeitura de Campo Grande cede o campo do CCI (Centro de Convivência do Idoso) Vovó Ziza para que o Comercial possa realizar os seus treinos. Procurados, os outros times não atenderam a reportagem.

Atuais campeão e vice ‘sofrem’ para fechar as contas

Mato Grosso do Sul sequer tem representante na Série C (Terceira Divisão). O vice-campeão estadual de 2020, Aquidauanense, por exemplo, recebe cerca de R$ 9 mil dos seus patrocinadores, no total o time tem apenas quatro empresas que ajudam financeiramente. As outras apoiam com doações, algo comum na maioria dos clubes, como a Farmacenter, farmácia que fica no município de Aquidauana e doa os remédios e produtos higiênicos à equipe, em troca ganha divulgação.

Para o vice-presidente do Azulão, Edilson Fernandes de Leite, o valor arrecadado para pagar as despesas do time não é suficiente. “A prefeitura é a nossa maior apoiadora, ela ajuda com R$ 280 mil para o campeonato. Com esse valor, mais os patrocínios, temos apenas metade do dinheiro que necessitamos para a temporada. No total temos um gasto de R$ 700 mil (na temporada).” Ainda segundo informações do dirigente, de 60 anos, o presidente do clube e fazendeiro, João Garcia Ferreira, banca a outra metade dos custos do clube.

Diferente do Aquidauanense, o atual campeão do torneio sul-mato-grossense, Águia Negra, não conta com apoio da prefeitura de Rio Brilhante. Conforme o presidente do clube, em 2015 uma promotora (preferiu não dizer o nome) entrou em contato com a prefeitura e alegou que entraria judicialmente contra a verba de R$ 400 mil que era destinada ao time, e desde então a gestão parou de dar o apoio financeiro ao Águia Negra. “Ela disse que só era permitido patrocinar o futebol amador e que a população poderia ver que ao dinheiro pudesse ser enviada para outras áreas”, afirmou Iliê Vidal. Perguntado, o dirigente disse não ter ido atrás de mais informações sobre o caso. A reportagem tentou contato com a prefeitura de Rio Brilhante, mas até o fechamento não houve respostas.

Águia cobra mais apoio público; CBF e Fundesporte pede coragem aos clubes

Para a temporada 2021, o Águia conta com apenas dois patrocinadores que totalizam cerca de R$ 105 mil de recursos ao clube, o restante vem de lojas pequenas que somam R$ 50 mil ao montante. “Hoje, o futebol está muito desacreditado devido aos clubes que estão com histórico manchado, aqueles que atrasam folha de pagamento ou são desclassificados por jogadores irregulares. Nenhuma empresa quer sua marca vinculada aos clubes ruins”, relatou o dirigente. Iliê acredita que o poder público deve agir para dar mais destaque ao futebol, para que os empresários possam acreditar no trabalho realizado pelos clubes.
Por outro lado, em 2020, o Rubro-Negro embolsou R$ 1.190 milhão por ter chego até a segunda fase da Copa do Brasil. Neste ano, o clube recebeu mais R$ 570 mil por ter participado da competição. O time perdeu para o Vitória-BA por 1 a 0, no dia 9 de março, em casa.

A Fundesporte realizou no dia 12 de fevereiro, o seminário “Gestão do Futebol Profissional”. O evento foi direcionado à presidente e equipe técnica dos clubes de Mato Grosso do Sul e contou com a participação de pessoas ligadas ao futebol sul-mato-grossense, dirigentes da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e do Cuiabá-MT, que este ano jogará a primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

O gerente de marketing da CBF, Fábio Ritter explicou aos presentes como funciona a forma de captação de patrocínios para a seleção brasileira. Sugere aos dirigentes dos clubes, que, “a empresa precisa entender a marca que estão vendo, o que ela representa para os torcedores e se vai trazer benefícios ao apoiar aquele determinado clube”. Para ele, o trabalho deve ser feito dentro e fora de campo para os clubes alcançarem outros patamares.

Conforme Ritter, os clubes devem mostrar aos patrocinadores que tem uma história e aquilo vai ficar marcado, indo além daquele torneio, o que pode trazer uma visibilidade maior para a empresa. “A marca de todos os clubes, por menor que seja, tem atributos que devem ser mostrados. Além disso, os clubes devem exibir dados positivos para que as marcas vejam bons resultados daquilo que estão investindo”, prosseguiu o representante da CBF.

Segundo Othon Barbosa, assessor da presidência da Fundesporte e responsável pela captação de recursos da entidade, a federação tem buscado uma forma de trazer novos recursos, principalmente no futebol. Othon apresentou diversas formas para que os clubes possam conseguir patrocínios.

O assessor pediu para que os clubes criem coragem e comecem a desenvolver maneiras para atrair empresas e visibilidade aos times. “A Fundesporte é a maior parceira dos clubes do Estado. Estamos aqui para o que for preciso”, finalizou.

  • Texto: Alex Nantes – Jornal O Estado