Adversária de Maduro foi proibida de ocupar cargos públicos após denunciar supostas violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado venezuelano
María Corina Machado venceu as primárias presidenciais da oposição da Venezuela de domingo (22) e será indicada para enfrentar o presidente Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 2024. Apesar de ter vencido, ela segue impedida de ocupar cargos públicos no país.
O segundo boletim parcial, divulgado às 19h11 (horário local) de segunda-feira (23) apontava Machado matematicamente eleita como representante da oposição com 1.473.105 votos (92,56%) com 64,88% das urnas apuradas. Carlos Prosperi vinha no segundo lugar, com 4,45%.
Machado é engenheira industrial de formação, mas está ligada ao cenário político há pelo menos 23 anos. Ela tem especialização em finanças pelo Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA), prestigiosa escola de negócios da Venezuela, e se formou no programa de líderes mundiais em políticas públicas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
Em maio de 2012, ela fundou o Vente Venezuela, partido político do qual é coordenadora e que apoiou sua candidatura nas eleições primárias das quais saiu vencedora.
Ela descreve a doutrina econômica do partido como liberal e propõe uma opção contrária ao socialismo para a Venezuela, sob as premissas do mercado livre, bem como do respeito pela propriedade privada e pelo Estado de direito. O partido diz oferecer “um modelo de desenvolvimento inclusivo e liberal para gerar prosperidade, riqueza e liberdade na Venezuela”.
A candidata está empenhada em promover a estabilização fiscal e monetária da Venezuela, promovendo um programa de investimentos públicos e privados massivos em infraestrutura, bens públicos, saúde e educação, entre outros.
Além disso, Machado vê como necessário promover um extenso programa de privatização das empresas públicas, incluindo a atividade petrolífera. Uma das propostas dela é a privatização total ou parcial da PDVSA, empresa petrolífera estatal venezuelana, algo estritamente regulamentado pela Constituição.
Ela defende ainda a importância de restabelecer garantias jurídicas, econômicas e sociais para incentivar estes investimentos. Machado diz que o seu objetivo com estas medidas é reduzir a pobreza e melhorar as condições da classe média.
A possível adversária de Maduro é divorciada e mãe de três filhos, sendo dois homens e uma mulher. A engenheira tem 56 anos e tornou-se conhecida em 2002 como cofundadora da organização não governamental Súmate, responsável por garantir a transparência eleitoral e a participação cidadã.
Essa mesma organização uniu esforços com outros atores políticos para recolher quase 4 milhões de assinaturas no referendo revogatório organizado em 2004 contra o então presidente Hugo Chávez.
Ela estabeleceu “Até O Fim” como o slogan de sua campanha atual. A candidata assumiu essa frase com maior força após ser divulgado um documento da Controladoria-Geral da República que estabelece sua inabilitação para exercer cargos públicos na Venezuela por 15 anos por “erros e omissões em suas declarações juramentadas de bens”.
A líder política reagiu garantindo que “uma desqualificação do regime é uma besteira, vale zero”. Especialistas jurídicos, como a organização não governamental Public Access, descrevem a medida como ilegal e inconstitucional.
Carreira política
Em 2010, Machado foi a legisladora mais votada do país e acabou sendo eleita deputada da Assembleia Nacional pelo estado de Miranda para o mandato iniciado em 2011. Em 2012, juntou-se às primárias presidenciais organizadas pela então aliança de partidos da oposição conhecida como Mesa Redonda da Unidade Democrática. Ela ficou em terceiro lugar com 3,81% dos votos numa eleição em que o candidato do Primero Justicia, Henrique Capriles, venceu com 64,33%.
Em aliança com Leopoldo López, fundador do partido Voluntad Popular e com Antonio Ledezma, da Alianza al Bravo Pueblo, convocou, em fevereiro de 2014, uma onda de protestos conhecida como “A Saída”, que durou até junho e cujo objetivo era exigir a restituição da ordem democrática na Venezuela.
As manifestações também criticavam a crise econômica, a inflação elevada, a escassez de alimentos, a insegurança e as falhas dos serviços públicos, entre outros problemas.
Nessas manifestações, 43 pessoas morreram, 486 ficaram feridas e 1.854 foram detidas, segundo dados divulgados pela Procuradoria-Geral da República.
Estes acontecimentos fazem parte do caso Venezuela I perante o Tribunal Penal Internacional, que tenta apurar responsabilidades por crimes contra a humanidade cometidos no território da Venezuela desde 12 de fevereiro de 2014 por autoridades estatais, membros das forças armadas, forças de segurança do Estado, autoridades civis e indivíduos pró-governo.
O governo de Nicolás Maduro qualificou as acusações como falaciosas e nega que tenham ocorrido crimes contra a humanidade no país.
Denúncias contra o governo de Maduro
Em março desse mesmo ano, María Corina Machado aceitou brevemente o cargo de embaixadora suplente do Panamá junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para tentar denunciar ao Conselho Permanente as mortes de dezenas de jovens e as supostas violações dos direitos humanos cometidas durante essas ações de rua, que duraram até meados de junho.
Em resposta, o partido no poder agiu até que ela fosse destituída do cargo de deputada da Assembleia Nacional, acusando-a de traição e posteriormente de planos de assassinato, sem apresentar provas. Machado negou repetidamente e publicamente tais acusações.
Um tribunal proibiu a candidata de sair do país durante a investigação. Essa medida cautelar já dura 8 anos.
Ela até denunciou publicamente que tem dificuldades para se locomover dentro do país porque algumas companhias aéreas disseram que não podem transportá-la. Por conta disso, Machado viajou pelo país por terra.
Mesmo assim, a candidata mantém sua participação em diversos fóruns internacionais, como em setembro passado, quando discursou virtualmente no Senado do Brasil.
Fonte: CNN