“Se já tá ruim para os homens, imagina para as mulheres”

Foto: VALENTIN MANIERI

Casos como o de Patrícia Sochor, campeã da Libertadores 2020 com a Ferroviária-SP, e o de Bruna Benites, da seleção brasileira e do Internacional-RS, são exemplos de que há talentos em Mato Grosso do Sul. Porém, são exceções.
O jornal O Estado iniciou uma série de reportagens sobre o cenário do futebol sul-mato-grossense. Nesta edição, as dificuldades e barreiras que mulheres precisam enfrentar para conseguir jogar e o que jogadoras e ex-jogadoras sugerem para que a modalidade evolua.

Romilda Campos, de 50 anos, se orgulha de ser a pioneira da classe aqui em Mato Grosso do Sul. A treinadora do Comercial começou sua carreira no futebol desde cedo, no Águia Dourado. Cansada de jogar de forma amadora, buscou times de várias cidades e criou a Liga Sul-Mato-Grossense de Futebol Feminino. A primeira edição reuniu 12 equipes. “Foi a partir da Liga que conseguimos o Estadual. Briguei com a FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul), e me passaram a informação de que precisava de um número mínimo de equipes. Fui atrás e consegui trazer o campeonato”, relatou a ‘fundadora’ do torneio.

O primeiro estadual feminino foi em 2005 e teve oito equipes. Em 2007 teve a participação de 10 equipes, recorde no sul-mato-grossense, mas com o tempo a competição decaiu no número de equipes por conta da falta de patrocínios e verbas, já que os times do interior precisam de auxílios para poder disputar a competição na Capital.

Neste ano, apenas três equipes disputaram o estadual que ocorreu em um final de semana. O Aquidauanense, Serc e o Comercial se enfrentaram nos dias 26, 27 e 28 de fevereiro, e disputaram a vaga do Campeonato Brasileiro Feminino da Série A2. O Serc/UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), levou a melhor e se classificou para o campeonato nacional. Segundo Romilda, a competição só foi realizada por conta da pressão que ela fez em cima da FFMS. “Tem que estar em cima da federação, porque senão eles não fazem nada. Ninguém soube do torneio. Sinto que foi realizado escondido”, afirmou.

Romilda está há 20 anos à frente do Comercial e se orgulha dos feitos que o time conquistou. Segundo a treinadora, o presidente da FFMS, Francisco Cezário já fez um convite para que ela cuidasse da área feminina dentro da federação, mas as negociações não seguiram. Para ela, o machismo do futebol se mostra principalmente nessa área e, que caso continue dessa forma, a situação vai virar uma “várzea”. Atualmente a entidade não tem responsáveis pelo futebol feminino no Estado.
A reportagem tentou contato com dirigentes da federação, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

Dupla jornada

A maioria das meninas que jogam nos times, não tem condições de se manter, e por isso, abandonam o esporte para poder trabalhar. Como é o caso de Bruna Elisbão, de 29 anos.
A atleta joga pelo Serc/UCDB e atua como professora de Educação Física e leciona na Escola Dolor de Andrade, em Campo Grande. “Dá uma desmotivada por que você vê que tem condições de chegar lá fora e até conquistar um título ou fazer uma boa campanha, mas com a falta de patrocínio, de incentivo, às vezes a gente não consegue ir além do que a gente poderia ir”, afirmou a jovem que mesmo com a falta de incentivo, não pretende desistir.

Bruna começou a jogar no time da faculdade. No começo, a zagueira não tinha um time fixo, já jogou por vários times da Capital, mas eram em campeonatos esporádicos e quando acabava aquele torneio, o time não seguia adiante. A primeira vez que participou do estadual foi em 2019, no qual jogou pelo Moreninhas, mas com a mesma equipe que atua hoje. “Somos tricampeãs no estadual, por que mesmo que tenhamos jogado no primeiro ano com o Moreninhas, a nossa equipe não mudou, apenas fizemos uma parceria com o Serc.”

Com o bom resultado no Estado, o time conseguiu avançar para o Brasileiro A2 no ano passado, mas não conseguiu passar da primeira fase. A segunda divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino começou em 2017 depois que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) começou a investir mais no futebol feminino no país. Ela é uma das maiores competições nacionais e as finalistas são promovidas para a Série A1. Neste ano, o Serc estará novamente presente no torneio, que está marcado para começar no dia 16 de maio.

Além do futebol, o time também conta com o apoio das meninas no futsal. Em 2019 a equipe conquistou o 4° lugar da Taça Brasil de Futsal Feminino. No ano passado a competição teve que ser cancelada por conta da pandemia. Para este ano, o Serc está confirmado no torneio, que está previsto para acontecer de 22 a 28 de agosto, em Pato Branco (PR).

Bruna espera que com os resultados positivos que o futebol e o futsal feminino tem trazido para o Estado, o poder público e as empresas privadas começam a investir nas modalidades. “Espero para o futuro uma ajuda maior com melhores patrocínios, porque a gente vê a capacidade técnica das meninas e sabemos que se tiver um pouco mais de ajuda, de incentivo, nós podemos ir mais longe”, pontuou a atleta que não sonha em ir para fora, mas espera trazer bons resultados para Mato Grosso do Sul.

Feminino precisa de mudanças, fala Sochor

Diferente da jogadora da Serc, Patrícia Sochor, atacante pela Ferroviária, time que ganhou a Libertadores Feminina neste ano, começou o futebol em Mato Grosso do Sul, mas sonhava em jogar em equipes que se destacam no país.
Para a atacante, o futebol feminino de Mato Grosso do Sul precisa de mudanças. Mesmo há 12 anos longe dos gramados daqui, a atleta vê que o cenário continua o mesmo. “Muitos times tentam montar equipes, porém sem investimentos, a maioria das meninas tem que tirar do próprio bolso para pagar uma passagem de ônibus, porque os clubes não tem como ajudar e isso cada vez mais vai distanciando-se de uma melhora”, acredita a atacante. Além do apoio financeiro, alega que o futebol sul-mato-grossense precisa de outras melhorias como nos locais de treinamento, materiais esportivos e um apoio maior a base.

“As prefeituras e as entidades devem apostar em suas equipes. Conheço muitas meninas que jogam aí, que até mesmo já joguei, e que tem muito potencial, mas acabam desistindo por falta de investimento, por falta de ajuda dos clubes e dos envolvidos”, disse.

Patrícia Sochor acredita que o futebol feminino do Estado pode melhorar, mas que precisa de um planejamento, principalmente por parte da FFMS e que sonha em construir um projeto social de meninas da base. Para ela, as atletas que querem jogar em grandes clubes devem treinar, lutar e não desistir, como ela fez e que mesmo vivendo em um país machista, as mulheres não podem desistir e que devem continuar lutando pela melhora mundial do futebol feminino.

Nascida em Iguatemi, município distante 466 km de Campo Grande, já na Capital, Sochor começou pela E.E. Dolor Ferreira de Andrade, depois passou pelo União ABC, Moreninhas e Comercial. Em 2009, com 14 anos, a jogadora foi para o primeiro clube fora do Estado, no futsal jogou pelo Palmeiras.

Nem jogando fora tive reconhecimento, declara Cidinha

Maria Aparecida de Souza Edil, mais conhecida como Cidinha, é um grande nome do futebol feminino sul-mato-grossense e jogou pela seleção brasileira de 1996 a 2000. O amor pelo futebol começou em casa, com os irmãos, no bairro Novo Minas Gerais. A atleta de 43 anos lembra do primeiro treinador com muito carinho, o saudoso Alicio e a primeira treinadora, Janete. Começou nas quadras em 1992 e para chegar até a seleção, passou por diversos clubes de Campo Grande e até mesmo de Três Lagoas.

O primeiro convite para jogar pelo Brasil foi durante a Copa Kaiser, pelo time de Três Lagoas Clube-Vila Piloto. “O treinador do Brasil na época era o José Duarte e ele veio para acompanhar as finais. Eu e a Joana Darc fomos destaques na competição e por isso fomos convocadas para fazer parte da equipe do São Paulo F.C. Depois fomos convocadas para seleção no mesmo ano”, relembrou a meia de campo.

Na primeira partida entrou no banco de reservas, mas logo no segundo tempo entrou em campo e fez uma grande atuação. Nos anos que permaneceu na seleção, conquistou o Sul Americano de 1998, o 3° lugar na Copa do Mundo em 1999 e o 4° lugar nas Olimpíadas de Sidney em 2000. Além disso, durante esse tempo jogou pelo São Paulo e o Vasco e ganhou títulos como o Campeonato Paulista e Carioca e o Brasileiro.

Mesmo com a série de títulos, a atleta não obteve um bom retorno financeiro e decidiu deixar seu sonho para trás e retornou a Campo Grande em 2003, mas lembra com carinho de nomes que estiveram com ela durante os anos, como a volante Formiga e a atacante Sissi. Segundo Cidinha, o futebol sul-mato-grossense nunca teve apoio e responsabiliza a federação por isso. “Até poderia ter um cargo para ajudar o futebol daqui, mas nem jogando fora eu tive reconhecimento, imagina receber um convite agora”, afirmou a atual inspetora de uma escola particular de Campo Grande.

  • Texto: Alex Nantes – Jornal O Estado