Sofrer sem uma base sólida

Foto: Nilson Figueiró

O sonho de ser um jogador profissional em Mato Grosso do Sul pode ser algo distante para muitos atletas, principalmente em um Estado que os times não jogam em campeonatos nacionais há muito tempo. Acordar cedo, pegar ônibus lotado, treinar durante um período, estudar no outro e ajudar com as despesas de casa, é a realidade da maioria que sonha em atuar nos grandes clubes do país.

Todos os dias, às 14h, Guilherme Teles, que mora na região das Moreninhas, pega o ônibus para o treino às 15h30, no CCI (Centro de Convivência do Idoso) Vovó Ziza. Atualmente no Grêmio Santo Antônio, tradicional clube de base da Capital, treina desde os 6 anos e relata que a paixão pelo futebol começou devido ao amor do pai pelo esporte.
“Meus pais sempre me motivam e sempre dizem que vou chegar ao meu objetivo principal, que é ser um atleta profissional. Meu maior sonho é jogar pelo Corinthians e ser como o Neymar, meu maior ídolo”, disse o atleta de 16 anos.

O presidente do Santo Antônio, Fernando Caneppele, e o técnico Welliton Barbosa, mais conhecido como Branco, não responderam ao contato da reportagem até o fechamento desta edição. Em 25 de novembro de 2020, o time conseguiu uma façanha depois de eliminar o Cruzeiro-MG, na primeira fase da Copa do Brasil sub-17. O time de Campo Grande empatou por 1 a 1 e venceu nos pênaltis, nas Moreninhas. Na segunda fase, porém, perdeu duas vezes para o River-PI, 3 a 0, e 5 a 0, e foi eliminado.

Do outro lado, William Vernal, de 22 anos, também sonhava em atuar em um grande clube e ter uma carreira no futebol profissional. Com esse pensamento, aos 14 anos, foi jogar pelo Velo Clube, em Rio Claro (SP), por que achava que no Estado vizinho as oportunidades eram maiores. Sozinho, ele teve que aprender desde novo a administrar sua vida para poder seguir seu sonho.
“Pegar um ônibus, ir para um lugar que nunca tinha ido, morar com desconhecidos, foram decisões difíceis para um menino de 14 anos que sonhava em ser um grande jogador. Fiquei mais de meses sem poder ver os meus pais.” Depois de 2 anos morando em São Paulo, William resolveu abandonar seu sonho e voltou para Campo Grande. Atualmente trabalha como auxiliar em um banco e não pensa mais em jogar profissionalmente.

Tudo misturado


A ida de muitos garotos a outros Estados se deve a falta de incentivo e a ausência de infraestrutura dos times de Mato Grosso do Sul. Sem CT (Centro de Treinamento), alojamento, estádio, campo ou com treinos exclusivos para as categorias, os jogadores da base muitas vezes treinam ao mesmo tempo com o elenco principal dos clubes.

Com o mesmo técnico e diretoria, os garotos têm que aprender e jogar como um profissional. Um exemplo disso é o Comercial. As atividades do sub-19, única categoria em funcionamento no momento, acontecem ao mesmo tempo do profissional, que realiza os seus treinos no período da manhã nos gramados do CCI Vovó Ziza, local que pertence a prefeitura, já que o clube não tem um CT.

Segundo o presidente do Colorado, Cláudio Barbosa, a base do clube cresce aos poucos, mas que devido a falta de apoio financeiro a situação é complicada. “Tudo envolve dinheiro e um bom planejamento. Desde quando comecei na gestão demos prioridade para a base. Os garotos que se destacam nas categorias já passam para o profissional, mas como tem uma grande desistência temos que buscar jogadores de outros lugares.”

Para técnicos, imediatismo atrapalha a evolução

Para Robson Matos, técnico do DAC (Dourados Atlético Clube), a formação dos jogadores requer tempo e etapas que variam de dois a sete anos. “Temos que melhorar em vários aspectos, principalmente nos pensamentos. As diretorias dos clubes devem entender que a gestão da base deve ser diferente do profissional, com filosofias divergentes, mas com as mesmas metodologias.”

A maioria dos clubes de Mato Grosso do Sul traz jogadores de outros Estados, ou até mesmo, outros países, já que não tem jogadores formados para poderem disputar os campeonatos locais e muito menos os nacionais. “É necessário que os times comecem hoje os treinos com a base, para que daqui 5, 6 anos eles possam ter resultados. A realidade das equipes sul-mato-grossense é que elas não se interessam pela base, sonham apenas com o agora e pulam etapas, o que resulta no que vemos hoje no futebol do Estado”, expressou o treinador.

O técnico do Aquidauanense, Mauro Marino, lamenta a situação do futebol e concorda que os clubes e a FFMS (Federação de Futebol de MS) devem ter mais atenção com as categorias de base. “A federação deveria criar um departamento amador que ficará responsável pelas categorias, fazer mais competições e obrigar os clubes a ter no mínimo duas categorias de base. Enquanto isso não acontecer, os times vão continuar trazendo jogadores de fora, porque não temos jogadores formados pelo Estado”.

Para ambos os técnicos, a falta de apoio financeiro e do interesse da FFMS são os grandes problemas. O governo estadual junto com a Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul) devem destinar mais verbas para que as categorias juvenis do Estado possam crescer. “Base não é gasto e sim investimento!”, ressaltou Robson Matos.

Dirigente comercialino sugere mudança de foco

Os gastos com materiais, transportes e alimentação são altos para os clubes, que na maioria das vezes não tem patrocínios e dependem das verbas das prefeituras. Ítalo Milhomem, presidente do Centro de Formação de Atletas Colorado, ressalta que o futebol é uma área que movimenta muito dinheiro e que os empresários que investem renda nos clubes querem ver os jogadores se destacarem com as suas marcas.

Para ele, os clubes devem investir na base antes do profissional, para que depois possa colher os frutos. “Em vez de investir R$ 500 mil por ano no elenco profissional, seria melhor dar dois passos para trás e investir em estrutura de treinamento e formação de atletas para depois dar saltos enormes lá na frente”, enfatizou o dirigente. Além disso, as leis de incentivo também pode ser outra forma de financiamento.
“Há diversas empresas e indústrias enormes do Estado, que poderiam apoiar iniciativas esportivas de base aqui no Mato Grosso do Sul, não só futebol como de outras modalidades”, explica Ítalo. “Mas têm apoiado projetos incentivados de outros Estados, aos poucos os gestores esportivos estão abrindo os olhos para isso”, completa.

Hoje no Santos, goleiro vê fuga de talentos como ‘normal’

Se as entidades e clubes não realizarem as mudanças necessárias no futebol de base, as promessas seguirão rumo a outros estados. Nomes como Diego Costa (São Paulo), Éderson (Corinthians), Jean Raphael (Palmeiras) e João Paulo (Santos), jogaram pela base daqui e atualmente estão no cenário do futebol nacional.
O goleiro do Santos, João Paulo, nasceu em Dourados e começou a treinar aos 10 anos. Iniciou sua carreira no 7 de Setembro, clube da sua cidade. Teve participações no Itaporã, Grêmio, São Carlos, até sua chegada no Santos, em 2011. “Fui criado no Peixe, comecei no sub-17, fui para o sub-20 e depois consegui ir para o profissional. Decidi sair de Mato Grosso do Sul por oportunidades. O meu maior sonho era poder atuar em clubes grandes e devido ao pouco investimento que tem no Estado é normal que aconteça”, ressaltou.

Para ele, o futebol daqui é competitivo dentro do alcance dos times, já que não tem muito apoio do governo, dos clubes e principalmente dos empresários. “Acredito que se tivesse mais apoio, os times, com certeza, estariam em campeonatos nacionais, seria um futebol de ponta. As prefeituras devem abraçar as categorias de base dos times locais, darem investimentos e infraestruturas, para que os atletas saiam de casa e alojem em clubes. O Estado tem jogadores de alto nível”.
Outros jogadores foram além e atuam no exterior, como Pedro Beda, que está na Espanha e Rômulo, que está nos Emirados Árabes.

  • Texto: Alex Nantes – Jornal O Estado