Soraya Thronicke propõe banir Jogo do Tigrinho e indiciar Virgínia e Deolane

Foto: Edilson Rodrigues

Os integrantes da CPI das Bets terão mais tempo para analisar o relatório da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que foi apresentado nesta terça-feira (10), mas não foi votado hoje — como estava originalmente previsto. Eles também devem analisar o relatório alternativo, apresentado na mesma reunião, do senador Izalci Lucas (PL-DF).

Após pedido de vista do senador Angelo Coronel (PSD-BA), o presidente da CPI das Bets, senador Dr. Hiran (PP-RR), concedeu mais tempo para análise dos relatórios. Ele se comprometeu a negociar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a prorrogação das atividades da comissão, cujo prazo se encerra no sábado (14). Hiran ressaltou que, se a prorrogação for confirmada, a votação poderá ocorrer na próxima semana.

Em seu relatório, Soraya Thronicke recomenda a proibição de apostas on-line como o “Jogo do Tigrinho”, chamadas por ela de “caça-níqueis on-line”, mas defende manter as bets, que são apostas em jogos esportivos.

Ela argumenta que as bets injetaram um volume relevante de investimentos nos esportes, enquanto apostas on-line como o “Jogo do Tigrinho” têm características “exclusivamente deletérias” (como o vício de seus usuários e os obstáculos para a fiscalização do poder público).

Logo depois da reunião desta terça, Soraya disse à imprensa que deve incorporar em seu parecer as sugestões feitas no relatório alternativo de Izalci Lucas.

Indiciamentos

A senadora pede em seu relatório o indiciamento de 16 pessoas pela prática de crimes, entre elas as influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra. A maior parte dos indiciados são empresários do setor de apostas. Se o seu relatório for aprovado, será enviado para o Ministério Público ou a Polícia Federal.

Soraya afirma que influenciadores digitais praticam estelionato ao “simular apostar valores altos quando, na verdade, utilizam contas simuladas, subsidiadas pelas próprias plataformas, com a intenção de induzir seguidores ao jogo com falsas promessas de ganho fácil”.

Ela acusa Virgínia Fonseca de estelionato e propaganda enganosa. Já Deolane Bezerra, que chegou a ser presa pela Justiça de Pernambuco, é acusada de estelionato, exploração não autorizada de jogos de azar, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa (assim como seus sócios na empresa de apostas Zeroum Bet).

Também foram indiciados:

  • Adélia de Jesus Soares, advogada de Deolane e proprietária da Payflow Processadora de Pagamentos;
  • Daniel Pardim Tavares Lima, por falso testemunho, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa;
  • a influenciadora digital Pâmela de Souza Drudi;
  • Fernando Oliveira Lima, conhecido com Fernandinho OIG, dono de empresa de aposta, e duas pessoas a ele vinculadas, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa;
  • o empresário Marcus Vinícius Freire de Lima e Silva, por lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, exploração ilegal de jogos de azar, entre outros crimes;
  • Jorge Barbosa Dias, proprietário da empresa MarjoSports, por lavagem de dinheiro, participação em organização criminosa, sonegação fiscal e exploração ilegal de jogos de azar;
  • Bruno Viana Rodrigues e seus sócios da Brax Produção e Publicidade, pelos crimes de lavagem de dinheiro, participação em organização criminosa e exploração irregular de jogos de azar.

Medidas

O relatório que Soraya Thronicke apresentou nesta terça-feira propõe 20 medidas que alteram a regulamentação do setor. Elas incluem três novos crimes e a criação de uma plataforma de monitoramento — que seria custeada por um novo fundo de combate a plataformas ilegais de apostas.

Veja a seguir essas medidas:

MedidaArgumentos da relatora
Vedar a exploração de jogos on-line, aqueles que se assemelham a cassinosSão potencialmente mais viciantes, não trazem contrapartida social (como incentivo ao esporte) e seus algoritmos são manipuláveis e de difícil auditoria.
Proibição de jogos para os inscritos no CadÚnicoRecursos dos benefícios sociais são escassos e essenciais, e o desvio para apostas online contraria a finalidade da política social. Estudo do Banco Central de 2024 apontam que, apenas em agosto, cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas.
Cria plataforma público-privada para atuar no monitoramento de apostadores, na produção de dados sobre apostas e facilitará a regulação. Terá integração com instituições públicas, inclusive com a Receita Federal e o CadÚnico. Suprir atuais fragilidades regulatórias e antecipar riscos antes que se concretizem, mobilizando serviços de saúde mental e infraestruturas tecnológicas.
Reclusão (prisão) de 1 a 4 anos veiculação de propaganda que ignora as regras de proteção (como alerta de risco de dependência) ou vende falsas promessas. Penaliza também influenciadores.A frequência de publicidade normalizou uma cultura de risco e o vício, tratando a aposta como um atalho para o sucesso.
Reclusão (prisão) de quatro a oito anos e multa para exploração de aposta on-line sem licençaA pena atual, de prisão simples de seis meses a dois anos e multa é desatualizada (data de 1941).
Reclusão (prisão) de dois a seis anos e multa para transferências de valores entre apostadores e agente não autorizadoA proibição administrativa atual de que instituições de pagamento realizem essas transações são inefetivas. Essas instituições possuem menos rigor na fiscalização do Banco Central.
Proibir “cláusula da desgraça alheia”, em que influenciadores e veículos de mídia são pagos com base nas perdas ou na captação de apostadoresPrioriza a proteção do consumidor e evita a exploração de vulnerabilidades.
Máximo de 3 horas de apostas por dia, ininterruptas ou nãoIneficácia dos métodos atuais em que o usuário pode se excluir da plataforma, quando identificar exagero. Além disso, a passagem do tempo em apostas reduz o senso crítico para identificar a necessidade de suspender as apostas.
Proibição de uso de “bônus”, “apostas grátis” e outras vantagens oferecidas por empresas de apostasAtraem especialmente pessoas mais vulneráveis com a promessa de um ganho fácil e sem riscos, com obstáculos para o resgate do dinheiro que forçam a continuar apostando.
Apresentação de saldo real de ganhos e perdas entre os jogos de apostaPossibilitam momento de confrontação com a realidade e um botão de pausa na impulsividade que o jogo pode gerar.
Proibir jogos de apostas que duram menos que 3 segundos e ferramentas que aceleram os jogos, como “autoplay”, “turbo”, etcFavorece o vício e prejudica a reflexão sobre o momento de parar.
Criação do Cadastro Nacional de Apostas, que permite auto-exclusão do usuário válida para todos os sites e que será exigido na criação de contas em sites de apostaFerramentas atuais de auto-exclusão não impedem abertura de conta em outra empresa de apostas.
Criação de um fundo de combate a plataformas ilegais de apostas, livre de bloqueios orçamentários (contingenciamento) e custeado por casas de apostas legalizadas.Angaria recursos das empresas de apostas legalizadas para se somar ao esforço do poder público. Sites clandestinos facilitam lavagem de dinheiro e não obedecem às restrições regulatórias. O fundo será custeado com porcentagem sobre a arrecadação das empresas (após transferir prêmios), suas multas pagas e as outorgas futuras feitas ante o Ministério da Fazenda.
Reajuste anual, pela inflação, da taxa de outorga do Ministério da Fazenda para exploração dos jogos de apostaO valor estipulado em 2023 tem o teto de R$ 30 milhões, no entanto, com a inflação, barateia a expansão das apostas.
Responsabilizar serviços técnicos intermediários de internet caso não derrubem sites após ordem judicial, e conferir poderes para a Anatel bloquear sites de apostasOrdens judiciais que ordenam a remoção de conteúdo esbarram em provedores estrangeiros que ignoram o Poder Judiciário, enquanto os intermediários técnicos provedores de conexão DNS, e serviços em nuvem permanecem sem obrigação clara de colaborar com bloqueio.
Instituições financeiras devem fornecer ferramenta em que usuário pode estipular limites de gastosFornece um obstáculo contra o vício e o prejuízo financeiro.
Retenção do imposto de renda de pessoa física diretamente na fonte e apuração com base mensal do Imposto devidoForma mais eficaz de recolhimento de imposto
Obriga empresa de aposta a disponibilizar conteúdo educativos e informativos sobre os perigos das apostas excessivas e do vício em jogos de azarForma de prevenção de vício, ao minimizar os potenciais danos sociais e de saúde pública.
Tornar expresso que na legislação que a saúde pública é mais importante que interesses econômicos, com relação ao setor de apostasAumento de pessoas viciadas em apostas e eficácia limitada das regras atuais para coibir dependência comportamental.
Especificar na legislação a vedação a incentivos fiscais para casas de apostasAlguns municípios já concedem tratamento tributário favorável a empresas do setor, o que incentiva a propagação das apostas.

Relatório incorporado

Após a reunião desta terça-feira, Soraya Thronicke informou que deve incorporar ao seu relatório as sugestões de mudanças legislativas apresentadas por Izalci Lucas em seu texto alternativo.

Estas são algumas das alterações propostas por Izalci:

  • exploração de apostas mediante licitação;
  • somente empresas no Brasil, e compostas majoritariamente por brasileiros, poderão concorrer na licitação;
  • proibição de publicidade em rádios e televisões no período entre 6h e 22h;
  • proibição das “contas de demonstração” (mecanismo para fins publicitários que simula ganhos inexistentes);
  • responsabilização solidária de influenciadores digitais e plataformas por danos causados por publicidade abusiva (assim, quem fizer publicidade dessas apostas on-line pode ser punido em caso de danos);
  • instituição do SUS Apostas, com contribuição de 10% sobre a receita bruta de contratos de publicidade — os recursos devem ser destinados ao Fundo Nacional de Saúde para financiar o tratamento de ludopatia (vício em apostas);
  • instituição, no âmbito do Ministério da Saúde, de um observatório nacional sobre os impactos dessas apostas na economia, nas relações sociais e na saúde mental.

Prorrogação

Presidente da CPI das Bets, o senador Dr. Hiran suspendeu a reunião desta terça-feira para reabri-la na terça-feira da próxima semana — caso as atividades da comissão tenham seu prazo estendido. Para que a prorrogação seja confirmada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, precisa fazer a leitura em Plenário de requerimento assinado por pelo menos 27 senadores. 

— [A votação do relatório] deverá acontecer nesta quinta-feira [12] ou na próxima terça [17]. Já houve uma conversa prévia entre a relatora [Soraya Thronicke] e Alcolumbre, quando ela argumentou que nós poderíamos repor os dias em que ficamos parados na semana passada [devido ao 11º Fórum Parlamentar do Brics]. Eu acredito que o nosso presidente não vai ter nenhum óbice em conceder mais uma semana — declarou Hiran em entrevista coletiva à imprensa.

A suspensão da reunião aconteceu após o pedido de vista feito pelo senador Angelo Coronel. Ele foi relator do projeto de lei que deu origem à Lei 14.790, de 2023, que trouxe novas regras para o setor. Soraya afirma que essa lei expandiu a abertura que havia sido iniciada em 2018 para incluir apostas on-line nos moldes do “Jogo do Tigrinho”.

Fonte: Agência Senado